Postergar a Olímpiada de Tóquio para 2021 pareceu ser a estratégia mais lógica diante a pandemia de Covid-19 iniciada em 2020. Meses atrás, os governos globais acreditavam que existiria uma perspectiva para uma conclusão da pandemia em 2021. Todavia, a batalha contra o vírus tem provado ser um quebra cabeça complexo acompanhado de mudanças repentinas nos números de óbitos e infecções.
A luta contra a pandemia levou a opinião popular japonesa a se opor contra a realização dos Jogos Olímpicos: as últimas pesquisas no Japão mostram que cerca de 70% da população quer que o evento seja cancelado. Diante o cenário de adversidade, o primeiro-ministro japonês (Yoshihide Suga) curvou-se à pressão pública, clamando que o governo japonês “não colocaria as Olimpíadas em primeiro lugar” – porém, acrescentando que a decisão seria de acordo com a análise final do Comitê Olímpico Internacional (COI).
Mesmo em um período de incertezas e nenhuma perspectiva concreta para a conclusão da pandemia, parece ser óbvio o cancelamento das Olímpiadas em 2021. Mas, por acaso existem incentivos econômicos vantajosos para pressionar a realização dos jogos olímpicos diante uma crise de saúde pública internacional?
Este artigo brevemente analisará as vantagens e desvantagens (sociais, econômicas e políticas) para a realização das Olímpiadas e porque o governo Japonês deve tomar uma decisão conjunta ao COI. Os incentivos são mais complicados do que apenas interesses monetários, muitos deles vêm de incentivos políticos, pelo qual a economia fica em posição secundária.
Custeando as Olimpíadas
A infraestrutura necessária para a realização dos jogos olímpicos evoluiu drasticamente desde 1896, ao longo das décadas existe um debate entre economistas sobre os riscos e benefícios de curto e longo prazo para realizar o evento esportivo de larga escala. Todavia, o debate se intensificou após os jogos do Rio de Janeiro em 2016, no qual a cidade demonstrou dificuldades em pagar as dívidas contraídas e os custos de manutenção de instalações abandonadas.
Segundo McBride (2020), durante a maior parte do século XX a realização dos jogos não era tão extravagante quanto nos tempos atuais. De acordo com o autor, o evento costumava ser realizado em países economicamente desenvolvidos na Europa Ocidental ou Estados Unidos, sem contar com os custos de transmissão em larga escala. Desta maneira, o autor aponta que o financiamento público dos jogos não era custoso para os países com infraestruturas avançadas.
Todavia, como aponta Zimbalist (2015) durante a década de 1960 os tamanhos dos jogos e os custos para sediar o evento passaram a crescer de forma exponencial no qual trouxe novos problemas para a realização do evento. Segundo o autor, após os acidentes nas olímpiadas de 1968 (México) e 1972 (Munique, Alemanha), a relação sobre risco e retorno de sediar as olímpiadas passou a ser questionada. Este ceticismo se tornou oficial, quando em 1972, a cidade de Denver no estado norte-americano do Colorado, tornou-se a primeira cidade sede a rejeitar as olimpíadas por forma de referendo. O autor aponta que os Jogos Olímpicos de 1976 em Montreal (Canadá) tiveram custos projetados de US$ 124 milhões abaixo dos custos reais que chegavam a bilhões. Os gastos na olímpiada canadense vieram sobre o custo da construção de novas infraestruturas, que sobrecarregaram a dívida da cidade em US$1,5 bilhões que os contribuintes tiveram que pagar por décadas. Em 1979, a Los Angeles foi a primeira cidade a se candidatar aos jogos de 1984 com termos excepcionais pelo COI. Com uma infraestrutura já desenvolvida a metrópole californiana foi beneficiada com apoio de veículos de mídia para transmissão do evento. Com isso, Los Angeles foi a única cidade a lucrar com as Olímpiadas, terminando com um superávit operacional de US$ 215 milhões.
Desta maneira, segundo Zimbalist (2015) as companhias de transmissão passam a ser os beneficiados para realização das olímpiadas. O gráfico abaixo mostra a evolução da receita gerada desde 1960.
Histórico da receita de Transmissão de Taxas De Direito da Televisão Olímpica (em milhões US$)
Como resultado, em 1979, Los Angeles (L.A.) foi a única cidade a se candidatar aos Jogos Olímpicos de Verão de 1984, o que permitiu a negociação de termos excepcionalmente favoráveis com o Comitê Olímpico Internacional (COI). L.A. teve a vantagem de confiar quase inteiramente nos estádios e infraestruturas já existentes, ao invés vez de construir novas instalações luxuosas para seguir os padrões da COI. Com grande salto na receita de transmissão de televisão, fez de L.A. a única cidade a lucrar com os Jogos Olímpicos, terminando com um superávit operacional de US $ 215 milhões.
O Custo para países emergentes
As Olímpiadas viraram um palco para países emergentes como o Brasil, China e Rússia, para demonstrar seu progresso econômico no cenário mundial. No entanto, esses países investiram somas maciças para criar a infraestrutura necessária para a realização do evento. Os custos para os jogos de Pequim em 2008 passaram de US$45 bilhões, enquanto nos jogos de inverno em Sochi em 2014 as despesas chegaram a US$ 50 bilhões, e no Rio de Janeiro em 2016 os custos foram de US$ 20 bilhões. Nesse contexto, podemos perceber que o padrão desde as Olímpiadas de 1996 em Atlanta, mostra que os custos projetados diferem dos custos finais.
Custos estimados vs. Custos Finais (Em milhões de US$)
A razão por trás da divergência entre custos projetados vs. Custos finais é decorrente da grande popularização dos jogos Olímpicos nas últimas décadas. Segundo McBride (2020), quando uma cidade é escolhida para realizar os jogos ela tem cerca de uma década para se preparar para a chegada eminente de atletas, turistas e contribuintes. Para o autor, os custos se elevam acima do projetado por conta das necessidades imediatas para a construção de instalações esportivas altamente especializadas, para a Vila Olímpica e as cerimônias. Além do mais, com eventos cada vez mais espetaculares, as novas cidades sede buscam em criar uma experiência mais sofisticada a cada nova Olimpíada.
No caso do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro carregou sozinha um custo de US$ 13 bilhões, e o estado necessitou um resgate de US$ 900 milhões do governo federal para cobrir os custos de policiamento na metrópole. Grande parte do investimento também veio por conta da ampla construção de novos estádios e instalações, conectadas por rodovias e linhas ferroviárias. Este conjunto novo de construções veio acima do orçamento inicial, um exemplo foi pela extensão do metrô que foi projetada para US$ 3 bilhões, mas foi superfaturada em pelo menos 25%. A cidade também teve que investir pesadamente em uma ampla gama de infraestrutura, grande parte dela com utilidades duvidosas de longo prazo. A cidade construiu quatro conjuntos de estádios e outras instalações, conectadas por novas rodovias e linhas ferroviárias. A maioria veio muito acima do orçamento, com um auditor estadual achando que a extensão do metrô de US$ 3 bilhões da cidade foi superfaturada em pelo menos 25% (McBride, 2020).
Os planos ambiciosos para revigorar o Rio de Janeiro, foram ineficazes, anos depois dos Jogos Olímpicos a maioria das instalações continua abandonada ou mal utilizada. Os quatro mil apartamentos destinados a vila olímpica estão vagos, com tentativas falhas do governo em leiloar os locais para proprietários privados. Enquanto isso, existem outros custos incalculáveis das pessoas que foram despejadas de suas residências durante a construção. Infelizmente o Rio de Janeiro, sofreu as piores consequências para a realização das Olímpiadas, simbolizando o pior cenário do que pode vir a acontecer quando uma cidade decide seguir a diante com os Jogos Olímpicos.
Conclusão
Após esta breve análise, a dúvida continua, realmente vale a pena para um país/cidade realizar as Olímpiadas? Do ponto de vista financeiro, aparentemente não é uma boa ideia. Segundo os estudos de Baumann et. al (2010), os jogos de inverno de Salt Lake City em 2002 promoveram apenas um crescimento de 7 mil empregos no curto prazo enquanto nos anos seguintes não houve correlação entre o número de aumentos de emprego por conta das olímpiadas. Outro estudo por Ponomarenko et. al (2014), demonstrou que nas Olímpiadas de Londres em 2012, apenas 10% dos 48 mil empregos ‘criados’ para os jogos foram ocupados por pessoas previamente desempregadas. Enquanto o restante dos trabalhadores já eram servidores públicos, porém, com novas funções atribuídas para auxiliar a organização do evento. Nesse sentido, os estudos de Billings-Holladay (2011), apontam que não existe correlação ao longo prazo entre os jogos olímpicos e crescimento econômico, contrariando a maior parte dos argumentos políticos que insistem para realização do evento custo.
Conforme as famosas palavras de Thomas Sowell, “a primeira lição de economia é a escassez (...) A primeira lição da política é desconsiderar a primeira lição da economia”, devemos relembrar que quando um país escolhe realizar as Olimpíadas, esta decisão é principalmente influenciada por interesses Geopolíticos. Segundo Don (2010), apesar dos grandes riscos, os países que sediam as olimpíadas passam a ter uma visão mais ‘positiva’ no cenário internacional, pelo seu desenvolvimento nos direitos humanos e na democracia. O autor logo aponta que existem benefícios por trás desta ideologia, no qual foi o caso dos Jogos de Seul em 1980, que ajudou na criação de políticas públicas incentivando a urbanização da Coreia do Sul. Todavia, o autor aponta que a criação de novas políticas destinadas a realização dos jogos olímpicos pode agir de forma relativa para cada país. Enquanto algumas políticas promovem desenvolvimento, elas também podem agir de forma abusiva para o país sede (e.g. elevação de tributos que se estende por anos).
Nesse sentido, apesar de todo o conflito político e econômico por trás das Olímpiadas, ainda contamos com uma pandemia sem nenhuma perspectiva para terminar. Talvez ainda seja incerto qual será o futuro das ‘Olímpiadas de Tóquio de 2020+1’, mas caso o evento acontecer nos próximos meses ele será acompanhado com muitas controversas. Ficaremos atentos aos desdobramentos deste evento, talvez poderemos testemunhar mais um atraso nas Olímpiadas de Tóquio, neste cenário tudo ainda pode acontecer.
Fontes
BAUMANN, R.; ENGELHARDT, B.; MATHESON, A.V.The Labor Market effects of the Salt Lake City Winter Olympics. College of the Holy Cross Department of Economics Faculty Rsearch Series, Paper no. 10-02, 2010.
BILLINGS, S.B; HOLLADAY, S.J. Should Cities Go For The Gold? The Long-Term Impacts of Hosting the Olympics. Claremont McKenna College, 2010.
DON, C. Far from Gold: Why Hosting the Olympics is Detrimental to the Host Country. Claremont McKenna College, 2010.
McBRIDE, J. The Economics of Hosting the Olympic Games.Council of Foreign Relations, 19 de jan. de 2018. Disponível em: <https://www.cfr.org/backgrounder/economics-hosting-olympic-games>. Acesso em: 05 de jun. de 2021.
PONOMARENKO, O.; PLENKHANOV, A. Economic impact of the 2014 Sochi winter Olympics, 14 de fev. de 2014. Disponível em: <https://www.ebrd.com/news/2014/economic-impact-of-the-2014-sochi-winter-olympics.html>. Acesso em: 05 de jun. de 2021.
ZIMBALIST, A. Circus Maximus: The Economic gamble behind hosting the Olympics and the World Cup. Brookings, 2015.