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QUEM MERECE UMA SEGUNDA CHANCE? ANÁLISE DE ALTERAÇÃO DAS REGRAS DA LIBERDADE CONDICIONAL E AS DISPARIDADES RACIAIS

09 dez 2022

Pesquisadora responsável: Eduarda Miller de Figueiredo

Autor: Evan K. Rose

Localização da Intervenção: Carolina do Norte

Tamanho da Amostra: 1.603.713 indivíduos

Setor: Segurança Pública

Variável de Interesse Principal: Violação à Liberdade Condicional

Tipo de Intervenção: Liberdade Condicional

Metodologia: 2SLS, Diferenças em Diferenças

Resumo

Este artigo estuda a principal maneira pela qual o Sistema de Justiça Criminal dos EUA dá aos infratores condenados uma segunda chance de evitar a prisão e voltar ao trabalho:  a liberdade condicional. Com a utilização de uma reforma de 2011 na Carolina do Norte, foi estudado se as violações à liberdade condicional possuem punições severas a ponto de dissuadir a reincidência. Através de estimações por meio de métodos robustos, percebeu-se que a reforma reduziu as diferenças raciais na revogação das liberdades condicionais por causa das violações às regras, porém, não houve redução das disparidades raciais nas prisões.

  1. Problema de Política

Pesquisas recentes estudaram as disparidades raciais nas decisões tomadas pela polícia, juízes, procuradores e júris e como a prisão, condenação e encarceramento afetam resultados econômicos (Chetty et al., 2020). No entanto, menos atenção tem sido dada ao impacto da supervisão, que é a punição mais comum dos Estados Unidos.

Todos os anos, mais de 4,4 milhões de infratores condenados são mandados para casa sob supervisão com a condição de obedecerem a regras rígidas, tais como, proibição de álcool e drogas, reuniões frequentes com um assistente social e pagamento de multas e taxas. O não cumprimento dessas regras podem resultar em encarceramento. De acordo com o Centro de Justiça do Conselho de Governo Estaduais (2019)[1], os infratores supervisionados têm a mesma probabilidade de serem encarcerado por tais “violações técnicas” como por novas ofensas criminais nacionais, as quais são mais concentradas em homens negros.

Essas regras técnicas, no entanto, são as principais ferramentas que o sistema utiliza para vigiar infratores supervisionados e apoiar a sua reintegração (Piehl e LoBuglio, 2005). Apesar dos custos, punir a violação de regra técnica com o encarceramento – ou revogar a supervisão – pode ser eficaz se as violações forem fortes indicadores de comportamento criminoso no futuro, tornando-as bons indicativos de risco de reincidência.

Assim, este artigo examina a eficácia e a equidade da revogação em regime de liberdade condicional, que corresponde por 80% da população supervisionada.

  1. Contexto de Implementação e de Avaliação

            Nas últimas décadas, a população supervisionada cresceu em paralelo com as taxas de encarceramento. Em relação aos níveis de 1980, houve um aumento de mais de 300% e mais que o dobro dos encarcerados atualmente. Durante grande parte dos últimos 25 anos, o estado da Carolina do Norte operou um sistema de liberdade condicional muito pequeno, optando por libertar a maioria dos indivíduos encarcerados sem supervisão. Porém, a análise deste estudo concentra-se apenas no sistema de liberdade condicional com supervisão.

            A liberdade condicional nos Estados Unidos é mais usada para jovens e delinquentes primários, que enfrentam seu primeiro processo criminal. No qual, na Carolina do Norte, 78% dos criminosos primários são colocados em liberdade condicional, juntamente com 70% dos criminosos de 16 a 25 anos. Os períodos de liberdade condicional geralmente duram entre 1 e 3 anos, em que a falha no cumprimento leva ao risco de encarceramento. A Carolina do Norte inclui um conjunto de regras padrão nas condições de liberdade condicional:

  • Pagamento de taxas e multas ordenadas pelo tribunal (custas judiciais gerais de aproximadamente US$ 150 e taxa mensal de supervisão de US$ 30 – US$ 50).
  • Permanência dentro da jurisdição do tribunal.
  • Apresentar-se regularmente a um oficial de condicional.
  • Submeter-se a testes de drogas e álcool e buscas sem mandado.
  • Tentar permanecer empregado com remuneração.
  • Podem ocorrer a imposição de condições especiais, como programa de tratamento de abuso de substâncias e monitoramento eletrônico.

            Ademais, as disparidades raciais são uma característica generalizada do Sistema de Justiça Criminal dos EUA. Em que homens negros que não concluíram o ensino médio são quase tão propensos a serem encarcerados quanto no trabalho e são empregados com a metade da frequência de homens brancos com educação semelhante.

            Em 2011, a Carolina do Norte fez mudanças no Sistema Estadual de Justiça Criminal, aprovando a Lei de Reinvestimento da Justiça (JRA). Que introduziu fortes limites à autoridade dos tribunais para revogar a liberdade condicional, assim, após 2011, a supervisão só poderia ser revogada por causa da ocorrência de novos crimes ou da fuga da supervisão. Anteriormente, os juízes poderiam revogar por qualquer violação técnica.

  1. Detalhes da Política/Programa

            Foram analisados conjuntos de dados administrativos fornecidos pelo Departamento de Segurança Pública da Carolina do Norte (DPS)[2] e de todos os tribunais criminais de casos resolvidos desde 2006 até atualmente. Os dados centrais consistem em registros de indivíduos cumprindo liberdade condicional supervisionada entre 2006 e 2018.

            Os grupos de controle e de tratamento são jovens, com 50% da amostra com 30 anos ou menos no início do período, maioria homem e minorias super-representadas em relação à população do estado.  Em média, os períodos de liberdade condicional supervisionados duram cerca de 20 meses e são o resultado de uma mistura relativamente equilibrada entre crime, contravenção e direção (embriaguez ou licença revogada).

            A amostra tratada tem antecedentes criminais muito limitados, com o réu mediano tendo apenas uma condenação anterior por contravenção e sem sentenças anteriores para liberdade condicional supervisionada ou encarceramento. A maioria das violações à liberdade condicional cometidas foram por falta de pagamento de taxas e multa. As outras violações mais comuns são: não se reportar a um oficial a condicional, violação de drogas e falhas no programa de tratamento de drogas.

  1. Método de Avaliação

Na análise, foi utilizada uma variável dependente binária, em que tomará valor 1 se um infrator for preso por um novo crime. Para investigar as diferenças raciais foram utilizadas três medidas da eficácia da revogação. A primeira é a precisão preditiva, em que quando for alta, uma grande fração daqueles revogados reincidirá, já quando está próximo da média populacional a revogação não teria valor de sinal para reincidência. O segundo e o terceiro conceitos fornecem medidas alternativas de eficácia ao reverter essa probabilidade condicional para examinar as taxas de erro tipo I e tipo II.

A precisão e as taxas de erro foram estimadas através de variáveis instrumentais, o que permitiu a utilização de uma estimação através do modelo 2SLS. Ademais, foi também utilizado uma abordagem de diferenças em diferenças para comparar resultados os criminosos supervisionados e não supervisionados.

  1. Principais Resultados

             Os principais resultados demostram que a quantidade de infratores em liberdade condicional supervisionada e não supervisionada não mudou discretamente em torno da reforma, indicando que o comportamento sentencial dos juízes não foi afetado. Assim, embora a liberdade condicional em geral tenha se tornado mais branda após a reforma, não há evidências de que os juízes mudaram seu comportamento na hora da sentença ou os potenciais infratores mudaram suas escolhas de crime em resposta.

            Os resultados a partir da análise de diferenças em diferenças mostram que a reforma JRA de 2011 praticamente não teve efeito no grupo de infratores não supervisionados. Em que houve uma diminuição da revogação em aproximadamente 6p.p.. Como os infratores não viram declínio na revogação da supervisão da liberdade condicional, suas taxas de prisão evoluíram tranquilamente ao longo da reforma.

            Em relação as disparidades raciais, os resultados demonstram que os infratores negros continuam a ver reduções substancialmente maiores no encarceramento, mas sem diferentes mudanças na reincidência. A evidência sugere que as disparidades raciais neste cenário não surgem devido ao preconceito racial por parte da polícia, juízes ou oficiais de condicional, mas sim refletem diferenças de comportamento entre infratores negros e não-negros. No entanto, tais diferenças não são facilmente explicadas com características observáveis, sugerindo que as diferenças comportamentais entre esses dois grupos que geram o impacto diferenciado das revogações, podem ser um reflexo de outros fatores mais sutis e contextuais, como acesso a credito informal que poderia ser usado para pagar as taxas e multas.

  1. Lições de Política Pública

Os resultados mostram que políticas ostensivamente neutras em termos de raça (imposição de regras de senso comum) podem gerar grandes disparidades raciais não justificadas pelos objetivos finais das políticas. Em que corrigir disparidades devido a impactos díspares pode ser mais fácil do que o mudar o comportamento tendencioso dos tomadores de decisão, porque isso é uma questão se simplesmente mudar as próprias regras. Assim, as descobertas apresentadas pelo estudo fornecem evidências de que tais políticas são viáveis e podem ter impactos significantes sobre as disparidades raciais.

Referências

Chetty, Raj, Nathaniel Hendren, Maggie R. Jones, and Sonya Porter, “Race and Economic Opportunity in the United States: An Intergenerational Perspective,” Quarterly Journal of Economics, 135 (2020), 711–783.

Council of State Governments Justice Center, “Confined and Costly: Hou Supervision Violations Are Filling Prisons and Burdening Budgets”, CSG Technical Report, 2019.

Piehl, Anne Morrison, and Stefan F. LoBuglio, “Does Supervision Matter”, Ch. 5 105-138, in Prisoner Reentry and Crime in America, Jeremy Travis and Christy Visher, eds. (New York: Cambridge University Press, 2005).


[1] Council of State Governments Justice Center.

[2] North Carolina Department of Public Safety (DPS).