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Desproporções entre homens e mulheres têm efeitos persistentes?

02 fev 2021

Pesquisador responsável: Adriano Valladão Pires Ribeiro

Título do artigo: It’s raining men! Hallelujah? The long-run consequences of male-biased sex ratios

Autores do artigo: Pauline Grosjean e Rose Khattar

Localização da intervenção: Austrália

Tamanho da amostra: 42.866 observações

Grande tema: Gênero

Tipo de intervenção: Efeitos dos desequilíbrios na proporção entre homens e mulheres

Variável de interesse principal: Postura em relação ao papel da mulher e sua participação no mercado de trabalho

Método de avaliação: Experimento natural

Problema de Política

A proporção entre homens e mulheres em uma sociedade influencia diversas questões sociais, como decisões de casamento, escolhas profissionais e a quantidade de trabalho ofertado. Em sociedades com mais homens, por exemplo, as famílias podem ser mais conservadoras e as mulheres acabarem ficando mais afastadas do mercado de trabalho. Os impactos de uma maior proporção de homens em uma sociedade e se são transitórios ou persistentes formam um tópico interessante de investigação, especialmente quando observa-se essa desproporção em várias regiões do mundo atualmente.

Contexto da Avaliação

Uma sociedade com mais homens que mulheres teriam alguns impactos imediatos, menos mulheres daria uma posição privilegiada e mais poder de barganha a elas, levando a maiores taxas de casamento e menor participação no mercado de trabalho. Com o passar dos anos, a tendência da parcela de cada gênero em uma sociedade é de se estabilizar de acordo com a proporção de nascimentos. Contudo, a desproporção em favor de homens pode ter impactos duradouros por meio de normas culturais, mesmo quando o desequilíbrio é revertido. Assim, os efeitos podem ser divididos entre de curto e de longo prazos.

Para se captar o impacto da proporção entre homens e mulheres, seria necessário um experimento em que grupos com proporções variadas de homens e mulheres com a mesma bagagem cultural e instituições vivessem em lugares diferentes, para se observar, após certo tempo, a estrutura social de cada lugar. Isto é, a única diferença inicial entre esses grupos seria a proporção entre homens e mulheres e, portanto, a responsável pelas dissimilaridades sociais posteriores.

Essa situação aconteceu na Austrália por muitos anos, com a parcela de homens sendo muito maior que das mulheres. Nos séculos 18 e 19, o Império Britânico adotava uma política de enviar pessoas condenadas para a Austrália, resultando em mais homens sendo enviados ao país. Além disso, durante todo o século 20, mais homens livres imigravam para a Austrália interessados nas oportunidades na mineração e agricultura. A disparidade gerada no número de homens pode então ser usada para estudar as consequências de curto e longo prazos quanto ao mercado de trabalho, as escolhas ocupacionais, o lazer e a postura geral em relação ao papel da mulher.

Detalhes da Intervenção

A investigação dos efeitos dos desequilíbrios entre homens e mulheres se deu nos condados e estados da Austrália. Para os efeitos mais imediatistas, os dados sobre a proporção de cada gênero e a estrutura da economia são provenientes dos primeiros censos coloniais do século 19 para os seis estados australianos. Tem-se, no total, 91 condados e a média era de 3 homens para cada mulher. Os censos têm ainda informações sobre os números de homens e mulheres casados e da ocupação por gênero. Além disso, considerou-se também usar os dados disponíveis de todos os censos do século 19, que abrange o período de 1836 a 1881.

Para os efeitos de longo prazo, voltados às normas sociais e aspectos culturais, os dados são provenientes do censo australiano de 2011 e da pesquisa sobre família, renda e trabalho (HILDA, sigla em inglês) disponível a partir de 2001. Informações sobre aspectos culturais e a alocação de tempo são obtidas na HILDA pelas respostas a perguntas sobre quem deveria cuidar da casa, o número de horas trabalhadas semanalmente, o tempo gasto nos trabalhos domésticos e da percepção de tempo disponível. Já o censo contém dados sobre a participação da mulher no mercado de trabalho.

Metodologia

Em posse dos dados acima, é possível captar os efeitos de curto e longo prazos dos desequilíbrios na proporção de gênero. Primeiro, mensurou-se os efeitos de curto prazo, isto é, buscou-se capturar o impacto que mais homens do que mulheres tem sobre a taxa de casamento para os dois gêneros, a participação de mulheres no mercado de trabalho e a ocupação feminina. Essa mensuração foi feita para dois conjuntos de dados, um para os condados entre 1836 e 1881, outro apenas para o primeiro senso de cada estado.

O segundo exercício buscou mensurar as consequências de longo prazo da disparidade do número de homens relativo ao de mulheres, ou seja, a postura da sociedade quanto ao ambiente de trabalho e a questões culturais relacionadas ao gênero. Para isso, se mediu o vínculo entre a proporção de gênero dada pelo primeiro censo de cada estado e a medida do comportamento da sociedade frente as mulheres, a alocação de tempo e sua participação no mercado de trabalho no presente.

A hipótese necessária para obter os vínculos acima é que a proporção entre homens e mulheres em cada estado não dependesse das oportunidades da economia. Contudo, as decisões dos indivíduos de migrarem para certa região era influenciada tanto por fatores econômicos quanto pessoais, que, se transmitidos pelas gerações, geraria um viés entre as variáveis atuais e o desequilíbrio dos gêneros da época colonial. Esse fato, se não corrigido, pode não refletir o efeito de longo prazo da razão entre homens e mulheres, já que essa razão incorporaria mais importância do que deveria. A solução é usar a proporção do gênero da população de condenados, uma vez que eles não escolhiam a região para onde iam, não podiam se mudar e representavam parte considerável da população total.

Resultados

Os resultados de curto prazo para os dois conjuntos de dados foram semelhantes. Uma maior proporção de homens está associada a maior taxa de casamento e uma redução na oferta de trabalho das mulheres, menos casamento para os homens e uma proporção menor de mulheres empregadas em ocupações do alto escalão. Não há, porém, meios de se verificar os mecanismos que levam a esses resultados, por exemplo, se a menor particição das mulheres no mercado de trabalho é fruto de um maior poder de barganha para elas ou se isso significa uma substituição do trabalho fora pelo doméstico.

Para o longo prazo, os resultados indicam que, hoje em dia, mais pessoas tem a visão de que mulheres deveriam ficar em casa nas regiões onde a proporção de homens era maior. Essa perspectiva é específica em relação ao trabalho, já que não se encontrou relação entre a razão de gênero do passado e a opinião sobre líderes políticos mulheres quando comparadas aos homens. Quanto a participação feminina no mercado de trabalho a relação é negativa, ainda que insignificante. Porém, considerando-se a margem intensiva, da quantidade de horas trabalhadas, a relação é negativa e forte para as mulheres e positiva para os homens. Ou seja, nas áreas onde havia mais homens, atualmente as mulheres trabalham menos horas e o oposto é verdadeiro para os homens.

Uma consequência possível de se trabalhar menos horas seria o aumento da propensão de um emprego de meio período e de uma menor ocupação nas posições de alto escalão. De fato, a relação entre a razão entre homens e mulheres no passado é negativa com a parcela de mulheres que ocupam cargos do alto escalão no presente. Para a alocação de tempo, os resultados sugerem que as mulheres moradoras das áreas com maior parcela de homens anteriormente têm mais tempo de lazer quando comparadas as mulheres das áreas mais balanceadas. A explicação se deve para o fato delas trabalharem menos horas no mercado de trabalho, como reportado acima, e essa diferença de tempo não ser compensada com trabalho doméstico. Por fim, as possíveis correções nas relações obtidas usando a proporção de gênero dos condenados resulta em valores semelhantes em direção e magnitude dos resultados já apresentados.

Lições de Política Pública

A principal lição do estudo é que desequilíbrios na proporção entre homens e mulheres podem ter efeitos duradouros, mesmo após a reversão do desequilíbrio. O efeito persistente de um período em que havia muito mais homens do que mulheres no passado se traduz, no presente, em menor oferta de trabalho das mulheres e visões mais conservadoras sobre o papel de cada gênero na sociedade.

Referência

Grosjean, Pauline; Khattar, Rose. “It’s raining men! Hallelujah? The long-run consequences of male-biased sex ratios.” The Review of Economic Studies, v. 86, n. 2, p. 723-754, 2019.

Problema de Política

A proporção entre homens e mulheres em uma sociedade influencia diversas questões sociais, como decisões de casamento, escolhas profissionais e a quantidade de trabalho ofertado. Em sociedades com mais homens, por exemplo, as famílias podem ser mais conservadoras e as mulheres acabarem ficando mais afastadas do mercado de trabalho. Os impactos de uma maior proporção de homens em uma sociedade e se são transitórios ou persistentes formam um tópico interessante de investigação, especialmente quando observa-se essa desproporção em várias regiões do mundo atualmente.

Contexto da Avaliação

Uma sociedade com mais homens que mulheres teriam alguns impactos imediatos, menos mulheres daria uma posição privilegiada e mais poder de barganha a elas, levando a maiores taxas de casamento e menor participação no mercado de trabalho. Com o passar dos anos, a tendência da parcela de cada gênero em uma sociedade é de se estabilizar de acordo com a proporção de nascimentos. Contudo, a desproporção em favor de homens pode ter impactos duradouros por meio de normas culturais, mesmo quando o desequilíbrio é revertido. Assim, os efeitos podem ser divididos entre de curto e de longo prazos.

Para se captar o impacto da proporção entre homens e mulheres, seria necessário um experimento em que grupos com proporções variadas de homens e mulheres com a mesma bagagem cultural e instituições vivessem em lugares diferentes, para se observar, após certo tempo, a estrutura social de cada lugar. Isto é, a única diferença inicial entre esses grupos seria a proporção entre homens e mulheres e, portanto, a responsável pelas dissimilaridades sociais posteriores.

Essa situação aconteceu na Austrália por muitos anos, com a parcela de homens sendo muito maior que das mulheres. Nos séculos 18 e 19, o Império Britânico adotava uma política de enviar pessoas condenadas para a Austrália, resultando em mais homens sendo enviados ao país. Além disso, durante todo o século 20, mais homens livres imigravam para a Austrália interessados nas oportunidades na mineração e agricultura. A disparidade gerada no número de homens pode então ser usada para estudar as consequências de curto e longo prazos quanto ao mercado de trabalho, as escolhas ocupacionais, o lazer e a postura geral em relação ao papel da mulher.

Detalhes da Intervenção

A investigação dos efeitos dos desequilíbrios entre homens e mulheres se deu nos condados e estados da Austrália. Para os efeitos mais imediatistas, os dados sobre a proporção de cada gênero e a estrutura da economia são provenientes dos primeiros censos coloniais do século 19 para os seis estados australianos. Tem-se, no total, 91 condados e a média era de 3 homens para cada mulher. Os censos têm ainda informações sobre os números de homens e mulheres casados e da ocupação por gênero. Além disso, considerou-se também usar os dados disponíveis de todos os censos do século 19, que abrange o período de 1836 a 1881.

Para os efeitos de longo prazo, voltados às normas sociais e aspectos culturais, os dados são provenientes do censo australiano de 2011 e da pesquisa sobre família, renda e trabalho (HILDA, sigla em inglês) disponível a partir de 2001. Informações sobre aspectos culturais e a alocação de tempo são obtidas na HILDA pelas respostas a perguntas sobre quem deveria cuidar da casa, o número de horas trabalhadas semanalmente, o tempo gasto nos trabalhos domésticos e da percepção de tempo disponível. Já o censo contém dados sobre a participação da mulher no mercado de trabalho.

Metodologia

Em posse dos dados acima, é possível captar os efeitos de curto e longo prazos dos desequilíbrios na proporção de gênero. Primeiro, mensurou-se os efeitos de curto prazo, isto é, buscou-se capturar o impacto que mais homens do que mulheres tem sobre a taxa de casamento para os dois gêneros, a participação de mulheres no mercado de trabalho e a ocupação feminina. Essa mensuração foi feita para dois conjuntos de dados, um para os condados entre 1836 e 1881, outro apenas para o primeiro senso de cada estado.

O segundo exercício buscou mensurar as consequências de longo prazo da disparidade do número de homens relativo ao de mulheres, ou seja, a postura da sociedade quanto ao ambiente de trabalho e a questões culturais relacionadas ao gênero. Para isso, se mediu o vínculo entre a proporção de gênero dada pelo primeiro censo de cada estado e a medida do comportamento da sociedade frente as mulheres, a alocação de tempo e sua participação no mercado de trabalho no presente.

A hipótese necessária para obter os vínculos acima é que a proporção entre homens e mulheres em cada estado não dependesse das oportunidades da economia. Contudo, as decisões dos indivíduos de migrarem para certa região era influenciada tanto por fatores econômicos quanto pessoais, que, se transmitidos pelas gerações, geraria um viés entre as variáveis atuais e o desequilíbrio dos gêneros da época colonial. Esse fato, se não corrigido, pode não refletir o efeito de longo prazo da razão entre homens e mulheres, já que essa razão incorporaria mais importância do que deveria. A solução é usar a proporção do gênero da população de condenados, uma vez que eles não escolhiam a região para onde iam, não podiam se mudar e representavam parte considerável da população total.

Resultados

Os resultados de curto prazo para os dois conjuntos de dados foram semelhantes. Uma maior proporção de homens está associada a maior taxa de casamento e uma redução na oferta de trabalho das mulheres, menos casamento para os homens e uma proporção menor de mulheres empregadas em ocupações do alto escalão. Não há, porém, meios de se verificar os mecanismos que levam a esses resultados, por exemplo, se a menor particição das mulheres no mercado de trabalho é fruto de um maior poder de barganha para elas ou se isso significa uma substituição do trabalho fora pelo doméstico.

Para o longo prazo, os resultados indicam que, hoje em dia, mais pessoas tem a visão de que mulheres deveriam ficar em casa nas regiões onde a proporção de homens era maior. Essa perspectiva é específica em relação ao trabalho, já que não se encontrou relação entre a razão de gênero do passado e a opinião sobre líderes políticos mulheres quando comparadas aos homens. Quanto a participação feminina no mercado de trabalho a relação é negativa, ainda que insignificante. Porém, considerando-se a margem intensiva, da quantidade de horas trabalhadas, a relação é negativa e forte para as mulheres e positiva para os homens. Ou seja, nas áreas onde havia mais homens, atualmente as mulheres trabalham menos horas e o oposto é verdadeiro para os homens.

Uma consequência possível de se trabalhar menos horas seria o aumento da propensão de um emprego de meio período e de uma menor ocupação nas posições de alto escalão. De fato, a relação entre a razão entre homens e mulheres no passado é negativa com a parcela de mulheres que ocupam cargos do alto escalão no presente. Para a alocação de tempo, os resultados sugerem que as mulheres moradoras das áreas com maior parcela de homens anteriormente têm mais tempo de lazer quando comparadas as mulheres das áreas mais balanceadas. A explicação se deve para o fato delas trabalharem menos horas no mercado de trabalho, como reportado acima, e essa diferença de tempo não ser compensada com trabalho doméstico. Por fim, as possíveis correções nas relações obtidas usando a proporção de gênero dos condenados resulta em valores semelhantes em direção e magnitude dos resultados já apresentados.

Lições de Política Pública

A principal lição do estudo é que desequilíbrios na proporção entre homens e mulheres podem ter efeitos duradouros, mesmo após a reversão do desequilíbrio. O efeito persistente de um período em que havia muito mais homens do que mulheres no passado se traduz, no presente, em menor oferta de trabalho das mulheres e visões mais conservadoras sobre o papel de cada gênero na sociedade.

Referência

Grosjean, Pauline; Khattar, Rose. “It’s raining men! Hallelujah? The long-run consequences of male-biased sex ratios.” The Review of Economic Studies, v. 86, n. 2, p. 723-754, 2019.