Pesquisador responsável: Omar Barroso Khodr
Autores: Junxue Jia, Xuan Liang, Guangrong Ma
Título original: Political hierarchy and regional economic development: Evidence from a
spatial discontinuity in China
Localização da Intervenção: China (condados de Chongqing e Sichuan)
Tamanho da Amostra: 200 empresas em 26 condados de Chongqing e 500 empresas em 54 condados de Sichuan.
Variável de Interesse Principal: O resultado de interesse na cidade i (ou seja, a
taxa de crescimento da intensidade da luz noturna sobre aquela cidade explorada).
Tipo de Intervenção: Políticas de crescimento econômico (PIB)
Metodologia: Regressão Espacial por Descontinuidade (RD)
Resumo
Este estudo investiga o impacto da hierarquia política sobre o desenvolvimento econômico regional, com base na promoção de Chongqing ao status de município de nível provincial na China. Segundo os autores, em 1997, Chongqing, então uma cidade de nível prefeitura, foi elevada à categoria de município diretamente subordinado ao governo central, separando-se da província de Sichuan. Essa mudança resultou em um aumento substancial na autonomia decisória da cidade em questões administrativas, fiscais e sociais. As áreas fronteiriças entre Chongqing e Sichuan apresentavam características semelhantes antes da intervenção, o que nos permite adotar uma abordagem de regressão de descontinuidade espacial. Ao analisar o crescimento da intensidade luminosa em nível municipal entre 1992 e 2013, os autores observam que as atividades econômicas nas cidades de Chongqing seguiam trajetórias paralelas às de Sichuan antes da promoção, mas passaram a crescer significativamente logo após a mudança institucional—implicando um acréscimo de 1,8 ponto percentual na taxa anual de crescimento do PIB. Além disso, os autores explicam que os funcionários públicos de Chongqing demonstram maior grau de responsabilidade e implementam mais políticas voltadas ao crescimento do que seus pares em Sichuan. Os resultados oferecem novas evidências de que o fortalecimento da hierarquia política dos governos locais pode impulsionar o desenvolvimento regional.
A questão central insere-se no antigo debate teórico sobre a descentralização. Os autores examinam diretamente se o fortalecimento dos governos locais, por meio da concessão de maior autonomia política, conduz a melhores resultados econômicos ou, ao contrário, fomenta a corrupção e a captura do poder pelas elites. O objetivo dos autores é ir além da teoria abstrata e das evidências conflitantes de outros contextos, oferecendo uma resposta causal clara a partir da análise de um caso concreto de descentralização política abrangente.
Uma segunda questão, intimamente relacionada, refere-se ao desenho ideal da hierarquia política e ao tamanho das unidades administrativas. O estudo investiga a relação entre os benefícios de governos menores e mais responsivos — capazes de adaptar políticas às necessidades locais — e os custos decorrentes da perda de economias de escala e do aumento da complexidade administrativa. Ao analisar a elevação de Chongqing, apresenta evidências empíricas sobre quando e como a fragmentação estratégica de uma grande província pode constituir uma ferramenta política eficaz para estimular o crescimento regional.
Em terceiro lugar, o estudo enfatiza o papel crucial das instituições políticas na determinação dos resultados da descentralização, especialmente em regimes autoritários. Uma questão fundamental abordada é como assegurar a responsabilização local na ausência de eleições democráticas. Os resultados sugerem que um mecanismo institucional específico — um sistema centralizado de avaliação de desempenho que recompensa autoridades locais pelo crescimento econômico — pode atuar como uma salvaguarda eficaz. Isso implica que o sucesso da descentralização não é automático, mas depende do sistema mais amplo de incentivos e controles em que está inserida.
Por fim, a pesquisa enfrenta uma lacuna metodológica presente na literatura. Observa-se que estudos anteriores sobre descentralização produziram resultados heterogêneos, em parte porque o termo “descentralização” pode englobar dimensões distintas (fiscal, administrativa, política). Ao concentrar-se no caso de Chongqing — que envolveu um conjunto abrangente de poderes administrativos, fiscais e de pessoal — o estudo oferece um teste mais nítido do impacto de uma mudança significativa e inequívoca na hierarquia política. Dessa forma, fornece contemplações mais robustas para formuladores de políticas que consideram reformas abrangentes semelhantes.
O estudo insere-se no contexto do debate clássico das políticas públicas sobre descentralização e o tamanho ideal dos governos. A elevação de Chongqing é utilizada como um experimento para testar compromissos teóricos tradicionais. O primeiro deles refere-se ao equilíbrio entre a adequação às preferências locais e a eficiência administrativa. Segundo os autores, a criação de uma jurisdição menor e mais homogênea, como Chongqing, permite que o governo local formule políticas mais ajustadas às necessidades específicas da população e disponha de informações superiores sobre o território. Por outro lado, a fragmentação pode elevar os custos, reduzindo as economias de escala na provisão de bens públicos e dificultando a gestão de externalidades entre jurisdições.
O segundo compromisso crítico diz respeito à responsabilização política. Em teoria, a descentralização pode tornar o governo mais responsável perante a população, aproximando-o dos cidadãos, fortalecendo o monitoramento social e estimulando a competição interjurisdicional pelo crescimento. No entanto, também traz o risco de intensificar a corrupção local e a captura do poder por elites, sobretudo quando estas são mais coesas e o escrutínio da mídia é limitado (Hayek, 1945; Tiebout, 1956; Oates, 1972; Qian e Roland, 1998). O estudo enquadra explicitamente sua análise no contexto de um Estado autoritário, em que os mecanismos de responsabilização diferem dos observados em democracias. A hipótese é que a instituição específica da China — um sistema centralizado de avaliação de desempenho que recompensa autoridades locais pelo crescimento econômico — pode funcionar como salvaguarda, permitindo que os benefícios da descentralização (políticas pró-crescimento e prestação de contas aos superiores) sejam alcançados, ao mesmo tempo em que mitiga seus efeitos negativos típicos (corrupção e captura).
Assim, de uma perspectiva política, o caso de Chongqing não se resume à criação de uma nova unidade administrativa. Trata-se de um teste prático para avaliar se um governo central pode utilizar estrategicamente a descentralização como instrumento de desenvolvimento econômico direcionado. A implementação baseia-se na crença de que, para uma região extensa e populosa como Chongqing, os benefícios da formulação de políticas personalizadas, da maior autonomia fiscal e de incentivos de carreira robustos para os funcionários superariam os custos da perda de economias de escala e dos maiores desafios de coordenação enfrentados pelo governo central. O estudo busca fornecer evidências empíricas sobre se essa aposta política calculada foi bem-sucedida.
A análise empírica do estudo baseia-se em dados de intensidade luminosa noturna obtidos por satélite, provenientes do programa DMSP-OLS, utilizados como indicador da atividade econômica local entre 1992 e 2013. Essa medida é crucial, uma vez que não existem séries temporais oficiais de dados econômicos em nível municipal. Uma etapa metodológica fundamental consiste em combinar essas imagens de satélite com os limites administrativos municipais da China em 2013, por meio do ArcGIS. Esse procedimento assegura uma medida consistente de crescimento econômico ao longo do tempo, neutralizando o efeito de confusão causado pelas alterações nos limites administrativos durante o período, ao aplicar uma estrutura geográfica única e estável.
Nesse contexto, para complementar e validar as conclusões derivadas dos dados de luminosidade, os autores reuniram um conjunto diversificado de informações transversais e do censo populacional. Entre elas estão dados econômicos oficiais em nível municipal (como produção industrial e taxa de urbanização) referentes a 2013, informações sobre bens públicos (estradas, escolas, hospitais) digitalizadas a partir do Google Maps e dados do censo abrangentes em nível de empresa de 2008, que permitem análises detalhadas em escala municipal. Além disso, o conjunto inclui pesquisas e registros especializados, como o Inquérito Empresarial do Banco Mundial (2005), utilizado para avaliar o ambiente de negócios; dados censitários em nível individual (2000 e 2005), empregados para estudar migração e composição étnica; e registros fiscais e de auditoria em nível municipal, que possibilitam examinar os gastos governamentais e o uso indevido de recursos públicos.
Por fim, o estudo incorpora dados topográficos (elevação e declividade) provenientes da Missão Topográfica por Radar do Ônibus Espacial. Essas informações geográficas são essenciais para o modelo de regressão espacial descontínua, pois permitem controlar fatores físicos do território e testar o equilíbrio pré-tratamento na fronteira entre Sichuan e Chongqing.
Inicialmente, os autores consideraram um modelo simples de Diferença em Diferenças (DID), mas o rejeitaram devido a desequilíbrios significativos entre as cidades de Chongqing e Sichuan antes do tratamento, relacionados a fatores como altitude, proporção da população minoritária e luminosidade noturna em 1996. Um estudo de eventos confirmou que a suposição de tendências paralelas — necessária para a validade do modelo DID — foi violada, uma vez que as trajetórias de crescimento da luminosidade não eram paralelas antes da reforma.
Desta maneira, para contornar esses problemas, o estudo emprega um modelo de Regressão Espacial por Descontinuidade (RD), utilizando cidades próximas à fronteira entre Sichuan e Chongqing. A principal premissa de identificação dessa abordagem é a “suposição de suavidade”, segundo a qual todas as características relevantes antes do tratamento variam de forma contínua na fronteira. A especificação econométrica básica consiste em uma regressão linear local que modela o crescimento econômico (medido pela variação logarítmica da intensidade da luz noturna entre 1996 e 2013) em função de uma variável dummy de tratamento para a localização em Chongqing, controlando simultaneamente uma função polinomial suave da posição geográfica (latitude e longitude). O coeficiente da variável dummy de tratamento captura o efeito causal da promoção de Chongqing, e os erros padrão são agrupados ao nível do condado.
Fundamentalmente, a estratégia empírica é validada por testes de equilíbrio pré-tratamento. Dentro de uma faixa de 30 km da fronteira, o estudo não encontra diferenças estatisticamente significativas na intensidade da luz em 1996, na altitude, na inclinação, na distância até as principais cidades ou na proporção da população minoritária. Isso reforça a afirmação de que as cidades em ambos os lados da fronteira eram semelhantes antes do tratamento. Além disso, uma análise dinâmica mostra que essas cidades apresentavam tendências paralelas no crescimento da intensidade da luz nos anos que antecederam a promoção (1997), com divergência significativa apenas após o tratamento. A robustez dos resultados principais é confirmada por meio de larguras de banda alternativas e de uma especificação polinomial global.
Segundo os autores, a principal conclusão do estudo, derivada de um modelo de Regressão Espacial com Descontinuidade (RD), é que a província de Chongqing teve um efeito positivo, estatisticamente e economicamente significativo, sobre o crescimento econômico, medido pela intensidade da luz noturna. A especificação de base — uma regressão linear local com largura de banda de 30 km — estima que as cidades de Chongqing apresentaram um crescimento anual da intensidade luminosa 6,3% superior ao das cidades de Sichuan, o que corresponde a um aumento de aproximadamente 1,8 ponto percentual na taxa de crescimento anual do PIB. Esse resultado é corroborado visualmente por uma clara descontinuidade no crescimento da luminosidade na fronteira.
A robustez dessa conclusão é rigorosamente avaliada por meio de diversas verificações metodológicas. Em primeiro lugar, o resultado se mostra estável em diferentes especificações do modelo, incluindo regressões lineares e quadráticas locais com larguras de banda de 30 km e 50 km, além de regressões polinomiais globais aplicadas à amostra completa. Em segundo lugar, as estimativas permanecem notavelmente consistentes mesmo após alterações em parâmetros-chave: elas se mostram insensíveis a uma ampla gama de larguras de banda (de 20 km a 100 km), ao uso de polinômios de ordem superior, à inclusão de controles geográficos adicionais e efeitos fixos de segmentos de fronteira, bem como à aplicação de ponderação por kernel triangular, que atribui maior peso às observações mais próximas da fronteira. Por fim, o resultado se mantém quando a unidade de análise é alterada de cidades para células de grade de tamanho uniforme, mitigando preocupações relacionadas a unidades espaciais heterogêneas.
Para reforçar a validade da estratégia empírica, os autores realizam testes placebo convincentes. Primeiramente, deslocam artificialmente a fronteira do tratamento em 30 quilômetros, tanto para leste quanto para oeste; em ambos os cenários falsificados, não se observa qualquer descontinuidade significativa no crescimento da luminosidade, confirmando que o efeito é exclusivo da fronteira administrativa real. Em seguida, implementam um teste placebo mais abrangente, desenhando 1.000 fronteiras aleatórias e não retilíneas dentro da região. A distribuição cumulativa dos coeficientes desses testes mostra que o efeito verdadeiro estimado é maior que 95% dos efeitos placebo, indicando fortemente que o resultado não decorre do acaso ou de fatores de confusão espaciais não observados, mas sim de uma consequência genuína da intervenção política.
Com base nos resultados do estudo, emergem diversas sugestões relevantes para políticas públicas, centradas sobretudo nos benefícios e nas considerações estratégicas da descentralização do poder para os governos locais.
A principal implicação política é que o fortalecimento dos governos locais — por meio da elevação de seu status político e da ampliação de sua autonomia decisória — pode atuar como um poderoso catalisador do desenvolvimento econômico regional, conforme destacado por Bolton e Dewatripont (1994), Qian (1994) e Garicano (2000). O estudo demonstra que a promoção de Chongqing resultou em maior responsabilização dos funcionários locais e na adoção de políticas pró-crescimento, gerando ganhos econômicos expressivos.
Desta maneira é sugerido que, em países grandes e heterogêneos, certo grau de descentralização política e fiscal pode aprimorar a governança e impulsionar o crescimento, ao permitir que líderes locais — mais familiarizados com as condições específicas de suas regiões — formulem e implementem políticas mais eficazes. Além disso, os resultados indicam que, em sistemas autoritários, uma hierarquia bem estruturada, com mecanismos claros de recompensas e punições, pode potencializar os benefícios da descentralização, ao mesmo tempo em que mitiga seus riscos, como corrupção e captura por interesses locais.
Contudo, os autores também alertam contra a adoção indiscriminada de políticas de promoção regional. Eles destacam duas restrições críticas que os formuladores de políticas devem considerar. Em primeiro lugar, os custos econômicos: o aumento das despesas administrativas decorrente da perda de economias de escala, maiores dificuldades na gestão de impactos transfronteiriços (como questões ambientais ou de infraestrutura) e a sobrecarga informacional sobre o governo central, que dificulta a coordenação. Em segundo lugar, os custos políticos: tais reformas tendem a enfrentar resistência dos governadores provinciais em exercício, que perderiam autoridade e controle sobre o pessoal das regiões promovidas. Assim, a decisão de elevar o status de uma região deve ser estratégica, ponderando cuidadosamente os benefícios econômicos comprovados frente aos obstáculos administrativos e políticos concretos. Isso implica que essa ferramenta política é mais adequada para regiões específicas e estrategicamente relevantes do que para aplicação universal.
Referências
Bolton, P., Dewatripont, M., 1994. The firm as a communication network. Quart. J.
Econ. 4, 809–839.
Garicano, L., 2000. Hierarchies and the organization of knowledge in production. J. Polit. Econ. 108 (5), 874–904.
Hayek, F.A., 1945. The use of knowledge in society. Am. Econ. Rev. 35 (4), 519–530.
Oates, W., 1972. Fiscal Federalism. Harcourt, New York.
Qian, Y., 1994. Incentives and loss of control in an optimal hierarchy. Rev. Econ. Stud. 61 (3), 527–544.
Qian, Y., Roland, G., 1998. Federalism and the Soft Budget Constraint. Am. Econ. Rev. 88 (5), 1143–1162.
Tiebout, C.M., 1956. A pure theory of local expenditures. J. Polit. Econ. 64 (5), 416–424.