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ECONOMIA E GESTÃO.

Família e Seguro Governamental

10 out 2025

Pesquisador responsável: Omar Barroso Khodr

Autores: Mariacristina De Nardia, Giulio Fellab, Marike Knoefc, Gonzalo Paz-Pardod, Raun Van Ooijene

Título original: Family and government insurance: Wage, earnings, and income risks in the Netherlands and the U.S.

Localização da Intervenção: Estados Unidos (EUA) e Países Baixos

Tamanho da Amostra: 95.000 indivíduos (Países Baixos) e 18.000 indivíduos (EUA)

Variável de Interesse Principal: Rendimentos brutos individuais como a remuneração total recebida por um empregado em um determinado ano, que inclui suas contribuições para a previdência social.

Tipo de Intervenção: Políticas de redistribuição e bem-estar social.

Metodologia: Método de Momentos (Arellano et al., 2017); Assimetria de Kelley; e, Medida de curtose de Crow-Siddiqui

Resumo

O estudo documenta novas descobertas sobre o risco associado aos salários e rendimentos masculinos, à renda familiar e à renda antes e depois dos impostos nos Países Baixos e nos Estados Unidos (EUA). Segundo os autores, em ambos os países, os rendimentos apresentam desvios significativos em relação às premissas tradicionais de linearidade e normalidade. O risco individual relacionado aos salários e rendimentos masculinos é relativamente elevado no início e no fim da vida ativa, bem como entre os indivíduos situados nas faixas inferior e superior da distribuição de renda. As horas trabalhadas são o principal fator responsável pela assimetria negativa e, em menor grau, pela alta curtose nas variações dos rendimentos. Embora os autores não tenham encontrado evidências de efeitos provenientes de trabalhadores adicionais, a presença de rendimentos conjugais contribui para reduzir a variabilidade da renda familiar em comparação com a dos rendimentos masculinos. Nos Países Baixos, as transferências governamentais representam uma importante fonte de proteção, diminuindo substancialmente o desvio padrão, a assimetria negativa e a curtose das variações de renda. Nos Estados Unidos, o papel do seguro familiar é consideravelmente mais relevante do que nos Países Baixos. Tanto os seguros familiares quanto os governamentais ajudam a mitigar, embora não eliminem completamente, as não linearidades na renda disponível das famílias ao longo da idade e em função dos rendimentos anteriores.

  1. Problema de Política

Segundo os autores existem diversas questões políticas relevantes relacionadas à forma como famílias e governos gerenciam os riscos associados aos salários e rendimentos. Eles apontam que uma das questões centrais diz respeito à adequação e ao desenho da rede de proteção social. O estudo revela que, nos Países Baixos, as transferências governamentais são uma importante fonte de seguro social, contribuindo significativamente para mitigar a volatilidade, a assimetria negativa e a curtose das variações de renda. Esse achado evidencia uma questão política crucial sobre a eficácia dos programas públicos — como o seguro-desemprego, a assistência social e outras transferências — na proteção das famílias contra as consequências financeiras das quedas de renda, que são frequentes e não seguem uma distribuição normal. O contraste com os EUA, onde o papel do governo é mais limitado, ressalta que o tamanho e a estrutura do Estado de bem-estar social são escolhas políticas fundamentais, com impactos diretos sobre a segurança econômica das famílias.

Além disso, os autores destacam a distribuição do risco ao longo da população e do ciclo de vida como uma preocupação essencial para o desenvolvimento de políticas direcionadas. Observam que o risco de perda de renda é especialmente elevado entre indivíduos no início e no fim da vida profissional, bem como entre aqueles situados nas faixas inferior e superior da distribuição de renda. Essa constatação sugere um possível problema em sistemas de seguridade social padronizados, indicando a necessidade de políticas mais sensíveis às variações demográficas e econômicas. Por exemplo, diferentes formas de apoio ou seguro podem ser mais adequadas para jovens ingressando no mercado de trabalho, trabalhadores mais experientes e pessoas de baixa renda.

Por fim, a pesquisa levanta uma questão política importante: identificar a principal fonte de instabilidade dos rendimentos. A crença que as horas trabalhadas são o principal fator da assimetria negativa nas variações de renda — e não os salários — desloca o foco das políticas públicas. Isso indica que os riscos mais significativos estão relacionados ao desemprego, ao subemprego e à volatilidade dos horários de trabalho. Assim, políticas centradas exclusivamente em pisos salariais, como o salário mínimo, podem ser insuficientes. Em contrapartida, medidas que promovam a estabilidade das horas trabalhadas — como o seguro-desemprego, programas de jornada reduzida e regulamentações sobre horários imprevisíveis — tornam-se essenciais para mitigar as formas mais severas de perda de renda enfrentadas pelas famílias.

  1. Contexto de Implementação da Política

Segundo os autores, o contexto em que as políticas públicas são implementadas é fundamental para aprofundar a compreensão sobre o risco de renda e os mecanismos de proteção. A pesquisa investiga explicitamente o papel dos sistemas tributários e das transferências governamentais como instrumentos primários de defesa das famílias contra flutuações na renda.

O estudo constata que, nos Países Baixos, o estado de bem-estar social exerce um papel predominante. A análise revela que “os impostos e, em particular, o sistema de transferências desempenham um papel ainda maior na redução do risco de renda” do que os mecanismos de seguro familiar. Essa conclusão é reforçada por uma comparação direta com os Estados Unidos, que possuem um estado de bem-estar mais limitado e um sistema tributário menos progressivo. A comparação internacional mostra que, embora o seguro familiar seja mais relevante nos EUA, “nos Países Baixos o governo é responsável pela maior parte da redução do risco de renda” (Guvenen et al., 2015; Arellano et al., 2017).

Além disso, a metodologia do estudo — que distingue entre variações salariais e mudanças nas horas trabalhadas — possui implicações políticas diretas. A constatação de que “as horas são o principal fator de variabilidade” para indivíduos de baixa renda sugere que políticas voltadas à estabilização da renda, como o seguro-desemprego ou programas de redução da jornada de trabalho, são especialmente relevantes para esse grupo. Os autores também observam que “características institucionais específicas de cada país são determinantes para estabelecer se os salários ou as horas representam a principal margem de ajuste”, o que implica que a própria política pública molda a natureza do risco de renda enfrentado pelos indivíduos.

Por fim, o artigo posiciona suas descobertas como insumos estratégicos para os formuladores de políticas, ao afirmar que uma compreensão precisa dos choques de renda de ordem superior é essencial para o desenho de “seguro social e tributação ideais”. Ao oferecer dados detalhados sobre como os riscos de renda se manifestam e são absorvidos pelos sistemas governamentais, o estudo fornece uma base empírica sólida para a avaliação e elaboração de políticas públicas voltadas à estabilização econômica e à proteção social.

  1. Detalhes da Avaliação

A análise do estudo fundamenta-se em duas principais fontes de dados para os Países Baixos e uma para os Estados Unidos, selecionadas por seus pontos fortes complementares. Para os Países Baixos, os pesquisadores combinam registros administrativos de impostos do Estudo do Painel de Renda (IPO) com dados de folha de pagamento das administrações de folha de pagamento (DPA). O IPO oferece uma amostra representativa de 1% da população — cerca de 95 mil indivíduos e suas famílias — no período de 2001 a 2014. Entre suas principais vantagens estão a alta qualidade dos dados, com erro mínimo de medição graças à verificação por terceiros, baixíssima rotatividade (exceto por falecimentos ou migração) e uma perspectiva única em nível domiciliar.

Essencialmente, os autores realizam uma análise detalhada da renda do trabalho, dos impostos e das transferências governamentais para todos os membros do domicílio, o que é fundamental para avaliar os mecanismos de proteção familiar e estatal. Já os dados do DPA, exigidos por lei nos Países Baixos, fornecem registros precisos sobre horas e dias trabalhados, diretamente reportados pelos empregadores.

Embora os dados posteriores a 2006 estejam completos, os registros anteriores exigiram ajustes metodológicos, como a padronização das semanas de trabalho por setor e a aplicação de um limite para horas de tempo integral. Para fins de comparação internacional, o estudo utiliza dados dos Estados Unidos provenientes do Panel Study of Income Dynamics (PSID), abrangendo o período de 1968 a 1992. Os anos posteriores foram excluídos devido à reformulação da pesquisa e à mudança para coleta bienal. Os pesquisadores também conduziram verificações de robustez para assegurar que as diferenças observadas entre os países não sejam resultado dos distintos períodos de amostragem ou das fontes de dados utilizadas.

  1. Método

A metodologia do estudo é baseada em uma análise empírica projetada para investigar diferentes mecanismos de seguro contra choques econômicos. Dessa maneira, a abordagem central envolve a comparação da variabilidade da renda em diferentes níveis: salários e rendimentos individuais masculinos, rendimentos totais das famílias e renda familiar líquida (disponível). Segundo os autores, a estrutura comparativa é fundamental para a análise, pois permite isolar mecanismos de seguro específicos. Flutuações nos salários de um indivíduo em relação aos seus rendimentos totais revelam a capacidade de "autosseguro" por meio de ajustes na oferta de trabalho pessoal. As diferenças entre os rendimentos individuais e totais das famílias lançam luz sobre o "seguro familiar" por meio da oferta de trabalho do cônjuge. Dessa maneira, a comparação da renda familiar antes e depois de impostos e transferências esclarece o papel do "seguro fornecido pelo governo".

Para capturar padrões complexos de risco, o estudo busca além da simples variância e analisa a distribuição das mudanças de um ano no logaritmo de cada variável de renda. Essas mudanças são examinadas em diferentes faixas etárias e percentis da distribuição de rendimentos masculinos do ano anterior. A metodologia segue de perto as práticas estabelecidas na literatura sobre "risco de ganhos elevados" em termos de seleção de amostra, definições de variáveis ​​e processamento de dados. A amostra é restrita a homens em idade ativa (25-60 anos) com um nível mínimo de rendimentos anuais do trabalho e exclui os autônomos para se concentrar em uma população consistente e relevante.

Dessa maneira, as variáveis ​​são construídas para fluir dos recursos individuais para os familiares. Os rendimentos brutos individuais são definidos como a remuneração anual total. Estes são agregados para todos os membros do domicílio para criar os rendimentos brutos do domicílio, que são então ajustados pela adição da renda da poupança para obter a renda antes dos impostos. A renda disponível do domicílio é calculada subtraindo-se o imposto de renda e adicionando-se as transferências governamentais. Para isolar choques idiossincráticos, os dados são expurgados dos efeitos gerais de idade e tempo usando resíduos de regressões que controlam um polinômio quadrático em variáveis ​​binárias de idade e ano.

Finalmente, o estudo emprega um conjunto abrangente de momentos estatísticos para descrever a distribuição das mudanças na renda. Isso inclui não apenas momentos de segunda ordem (variância), mas também momentos de ordem superior e, crucialmente, medidas de assimetria e curtose baseadas em quantis. Os pesquisadores justificam o uso dessas medidas baseadas em quantis (assimetria de Kelley e curtose de Crow-Siddiqui) porque são mais robustas a outliers e mais fáceis de interpretar do que momentos centralizados padronizados, embora estes últimos também sejam relatados quando fornecem um quadro qualitativamente diferente. Isso permite uma análise diferenciada da assimetria e dos riscos de cauda nas flutuações de renda.

  1. Principais Resultados

O estudo identifica diferenças significativas nos riscos econômicos e nos mecanismos de proteção entre a Holanda e os Estados Unidos. Uma descoberta relevante é que variáveis como salários, horas trabalhadas e renda apresentam uma volatilidade consideravelmente maior (medida pelo desvio padrão) nos EUA em comparação à Holanda. Além disso, a dinâmica dos rendimentos difere entre os países: nos Estados Unidos, salários e rendimentos variam de forma mais sincronizada, sugerindo que os próprios salários se ajustam com maior frequência. Já na Holanda, a variação nos rendimentos está mais associada às horas trabalhadas, especialmente entre os trabalhadores de baixa renda.

As horas trabalhadas também se destacam como o principal fator que contribui para a assimetria negativa — ou seja, a ocorrência de grandes quedas de renda — e para a alta curtose, que indica a presença de variações extremas nos rendimentos em ambos os países.

No que diz respeito aos mecanismos de seguro contra esses riscos, o estudo evidencia os papéis distintos desempenhados pelas famílias e pelo governo. Nos Estados Unidos, a renda conjugal exerce um papel importante na suavização da volatilidade da renda masculina e na redução da assimetria negativa. Na Holanda, por outro lado, o seguro intrafamiliar contribui principalmente para mitigar a assimetria, mas só reduz a volatilidade da renda em famílias cujo marido se encontra no terço inferior da distribuição de renda.

A diferença mais expressiva está no papel do seguro governamental. Embora impostos e transferências contribuam para reduzir a variabilidade da renda e a assimetria negativa em ambos os países, esse efeito é significativamente mais forte na Holanda, sobretudo entre famílias de baixa renda. Programas como o Seguro de Invalidez (DI) e o Seguro-Desemprego (UI) mostram-se especialmente eficazes para homens holandeses com rendimentos mais baixos.

Os pesquisadores realizaram testes de robustez para garantir que esses padrões refletem diferenças reais entre os países, e não distorções causadas pelas fontes de dados — dados administrativos no caso da Holanda, e dados de pesquisa para os EUA — ou pelos períodos analisados. Eles concluem que o papel abrangente do governo na oferta de seguro na Holanda pode reduzir ou até substituir o tipo de proteção intrafamiliar que é mais comum nos Estados Unidos.

  1. Lições de Política Pública

Este estudo oferece uma lição essencial sobre a eficácia de diferentes modelos de proteção social. A análise revela que, embora a volatilidade econômica — especialmente em salários e horas trabalhadas — seja um fenômeno comum, as estratégias adotadas pelas sociedades para conter esses choques variam significativamente e geram implicações profundas. A principal conclusão é que um estado de bem-estar robusto, como o dos Países Baixos, é substancialmente mais eficaz na redução da volatilidade da renda e, sobretudo, na mitigação de quedas acentuadas (assimetria negativa), em comparação com modelos que dependem predominantemente de mecanismos privados, como o dos Estados Unidos.

Uma lição específica diz respeito ao papel do governo em contraste com o da família. Nos EUA, onde a rede de proteção estatal é menos abrangente, a renda do cônjuge torna-se um mecanismo crucial de amortecimento financeiro. Já nos Países Baixos, a intervenção estatal é tão ampla e eficaz que substitui a necessidade desse tipo de seguro intrafamiliar, especialmente entre famílias de baixa renda. Isso sugere uma relação de compensação entre os seguros público e privado: políticas governamentais sólidas podem aliviar as famílias da responsabilidade de serem a principal rede de segurança econômica entre si.

Nesse contexto, o estudo destaca o valor de políticas públicas bem formuladas. Programas de transferência de renda, como o seguro-desemprego e o seguro por invalidez, não devem ser vistos apenas como medidas assistenciais, mas como instrumentos poderosos de estabilização macroeconômica em nível individual. Sua eficácia é particularmente evidente nas camadas mais baixas da distribuição de renda, demonstrando que tais políticas são fundamentais não apenas para combater a pobreza, mas também para garantir segurança econômica e previsibilidade aos trabalhadores mais vulneráveis. Em suma, a escolha entre um estado protetor e um modelo de menor intervenção resulta em realidades econômicas radicalmente distintas para os cidadãos, sobretudo diante de choques financeiros adversos.

Além disso, o estudo oferece uma lição crucial para a formulação de políticas públicas: a importância da qualidade dos dados e da transparência metodológica. A pesquisa mostra que os dados anteriores a 2006, por conta da normalização e limitação das horas de trabalho, apresentavam uma visão distorcida da força de trabalho, ocultando especialmente o esforço extraordinário de trabalhadores em tempo integral. O fato de os autores terem precisado realizar correções metodológicas significativas para construir um conjunto de dados consistente reforça um princípio vital para agências estatísticas: decisões políticas baseadas em métricas imprecisas ou inconsistentes podem estar comprometidas desde o início. Por isso, é fundamental que as políticas públicas priorizem e invistam na coleta de dados administrativos granulares, frequentes e consistentes, garantindo que a análise que fundamenta leis e regulamentos esteja apoiada em bases confiáveis.

O estudo também demonstra que decisões técnicas aparentemente secundárias na coleta de dados podem ter implicações relevantes para o direcionamento e avaliação de políticas. A limitação das horas registradas antes de 2006 tornava invisível o trabalho extraordinário de funcionários em tempo integral nas estatísticas oficiais. Caso um governo elaborasse uma política para compensar horas extras excessivas ou para regular o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, essa limitação teria levado a um diagnóstico equivocado do problema, comprometendo a eficácia da política. Assim, uma lição importante para os formuladores de políticas é examinar cuidadosamente os detalhes metodológicos dos dados utilizados, assegurando que as métricas reflitam diretamente os fenômenos que se pretende mensurar e influenciar — como as horas efetivamente trabalhadas — em vez de proxies normalizados ou limitados.

Por fim, a pesquisa oferece uma valiosa lição sobre resiliência e validação de políticas. A capacidade dos pesquisadores de confirmar suas principais conclusões com os dados mais limpos pós-2006 funcionou como uma robusta “verificação de sensibilidade”, demonstrando que os achados não eram fruto de distorções nos dados antigos. Essa prática é diretamente aplicável à gestão pública: antes de implementar uma política em larga escala, a realização de programas piloto ou validações retrospectivas com novas fontes de dados pode evitar desperdícios de recursos e o fracasso das políticas. O alinhamento consistente dos resultados em diferentes períodos fornece um modelo de como os formuladores devem buscar validação independente para suas premissas, garantindo que as políticas sejam sólidas e que seus efeitos observados sejam reais.

Referências

Arellano, Manuel, Blundell, Richard, Bonhomme, Stéphane, 2017. Earnings and consumption dynamics: a non-linear panel data framework. Econometrica 85(3), 693–734.

Guvenen, Fatih, Karahan, Fatih, Ozkan, Serdar, Song, Jae, 2015. What do data on

millions of U.S. workers reveal about life-cycle earnings risk?, Working Paper

20913, National Bureau of Economic Research.