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ECONOMIA E GESTÃO.

Subsídios para a adoção de tecnologia: Evidências experimentais das áreas rurais de Camarões

07 nov 2025

Pesquisador responsável: Omar Barroso Khodr

Autores: Niccolò Meriggi; Erwin Bulte; Ahmed Mushfiq Mobarak

Título original: Subsidies for technology adoption: Experimental evidence from

rural Cameroon

Localização da Intervenção: Camarões (País na África Central)

Tamanho da Amostra: 199 vilarejos (na região de Adamawa – norte dos Camarões)

Setor: Desenvolvimento Econômico & Economia Ambiental

Variável de Interesse Principal: O estudo examina três resultados primários em diferentes modelos: I) Adoção (lâmpadas solares - binária); II) Uso por minuto (lâmpadas solares); e, III) Disposição para pagar (contínua).

Tipo de Intervenção: Subsídio para adoção de energia sustentável (lâmpadas solares)

Metodologia: Mínimos Quadrados Ordinários (MQO); Tobit; Variáveis Instrumentais (IV); e, Efeitos Fixos.

Resumo

Economistas têm observado baixa adoção de tecnologias promotoras de bem-estar em regiões economicamente desfavorecidas. Este estudo investiga, por meio de experimento em duas etapas, o impacto de subsídios temporários na adoção, uso e demanda futura de lâmpadas solares modernas. Utilizando um modelo de leilão com variação aleatória do preço de reserva entre vilarejos em Adamawa, norte dos Camarões, os pesquisadores geraram variações nos preços de compra e na taxa de adoção. Os resultados indicam que subsídios aumentam a adoção sem comprometer o uso posterior. Mesmo quando reduzem a disposição a pagar futura, esse efeito é superado pela aprendizagem sobre os benefícios do produto, resultando em maior valorização futura. Embora preços mais baixos atraiam usuários com menor intensidade de uso, o papel alocativo dos preços permanece relevante. Por fim, não há evidência de aprendizado social ou efeitos de ancoragem além da amostra inicial.

  1. Problema de Política

 Os autores, examinam a transição de fontes de iluminação tradicionais (como querosene) para a iluminação moderna, independente da rede, com energia solar e LED a bateria, em áreas rurais nos vilarejos de Adamawa, onde 47% da população ainda não tem acesso à eletricidade. Considerando os altos custos da expansão da rede, soluções descentralizadas, como lâmpadas solares e sistemas residenciais, desempenham um papel crucial para reduzir a lacuna energética enfrentada na região norte de Camarões.

Nesse contexto, durante o período do estudo (2013-2015), observou-se que famílias rurais passaram a adotar lâmpadas LED alimentadas por baterias e energia solar, em substituição ao querosene. O estudo sugere que essa mudança está relacionada aos preços mais baratos das lâmpadas solares, tornando essa alternativa mais acessível. Além disso, as transições energéticas em estágio inicial tendem a envolver investimentos escaláveis e de baixo custo — como as lâmpadas solares portáteis. Já em fases mais avançadas, é possível que ocorra a expansão para conexões à rede elétrica, conforme a renda familiar aumenta. Todavia, os autores apontam desafios significativos na implementação da energia solar, especialmente em relação aos custos de expansão da rede elétrica em áreas rurais de forma mais ampla.

Com isso, soluções solares fora da rede tornam-se fundamentais para garantir o acesso à energia nesses locais. No que diz respeito ao desenvolvimento, os autores destacam evidências mistas sobre os efeitos econômicos da eletrificação por energia solar. Estudos anteriores indicam a redução dos custos de energia e aumento do tempo disponível para estudo de estudantes, o que poderia resultar em melhorias educacionais.

No entanto, esses benefícios tendem a ser limitados ou perceptíveis apenas a longo prazo. Essa discrepância pode estar relacionada à mudança de hábitos nas comunidades analisadas — como crianças passando a estudar à noite — ou a restrições externas, como escassez de professores e dificuldade de acesso ao mercado. Ainda assim, os autores ressaltam que outras pesquisas mostram impactos positivos na renda familiar após a eletrificação, especialmente em longo prazo. Em todo caso, eles reforçam que os resultados podem ser modestos se não houver infraestrutura adequada e profissionais qualificados (Hamburger et al., 2019; Peters e Sievert, 2016). A expansão sustentável da energia solar, portanto, depende diretamente da forma como é planejada e executada.

Por fim, de acordo com os autores, as implicações para políticas e pesquisas indicam a necessidade de contrafactuais mais precisos. Muitos estudos de impacto não consideram as condições básicas de iluminação presentes nas comunidades — como a diferença de performance e demanda entre lâmpadas solares comparadas a querosene, versus LEDs alimentados por bateria. Essa limitação metodológica pode comprometer a avaliação real dos benefícios da transição energética.

Além disso, a eficácia da iluminação solar está diretamente ligada às condições locais de produção e suporte — como sistemas de capacitação, presença de indústrias e acesso ao mercado. Esses fatores determinam se a tecnologia será adotada com sucesso ou não.

De todo modo, as lâmpadas solares e a inovação de sistemas domésticos representam uma alternativa viável no curto prazo, especialmente antes da expansão completa da rede elétrica em áreas remotas. No entanto, os autores destacam que essas soluções só entregam resultados significativos quando acompanhadas de investimentos complementares, como em educação e fomento ao empreendedorismo. Tais investimentos são cruciais para maximizar os benefícios econômicos e sociais da eletrificação descentralizada.

  1. Contexto de Implementação da Política

O estudo analisou o acesso à energia em comunidades rurais, revelando que cerca de 95% das famílias dependiam de lâmpadas de querosene no início da pesquisa. Essas lâmpadas, além de fornecerem iluminação de baixa qualidade, representavam sérios riscos à saúde e à segurança, com elevado potencial de incêndios. Simultaneamente, com um impacto econômico significativo, consumindo até 5% do orçamento familiar. Nesse contexto, a adoção de alternativas modernas como iluminação LED a bateria ou solar era escassa, evidenciando uma lacuna significativa no acesso à energia limpa.

Para entender o comportamento de compra e incentivar a adoção de tecnologias solares, os autores implementaram um leilão aleatório baseado no método Becker-DeGroot-Marshak (BDM). A intervenção foi inicialmente aplicada em 172 aldeias, sendo posteriormente reduzida para 90 devido a restrições orçamentárias. Foram definidos três níveis de desconto: 25%, 50% e 75% sobre o preço de mercado das lâmpadas solares. Os valores foram ajustados conforme a variação do preço ao longo do estudo (2013–2015). No início do período, o preço base era de aproximadamente US$ 9 ou R$ 24. Os preços de exercício foram atribuídos aleatoriamente por aldeia para evitar efeitos colaterais de tratamento cruzado. A transparência do processo foi garantida por meio de envelopes lacrados, abertos publicamente em eventos comunitários.

A análise revelou que descontos maiores impulsionaram significativamente a compra das lâmpadas solares, demonstrando alta sensibilidade ao preço. O leilão serviu como métrica válida para compreender o valor atribuído pelas famílias às lâmpadas, especialmente porque a maioria dos entrevistados desconhecia o preço de mercado, reduzindo o efeito de ancoragem. Dois anos após o leilão, dados de uso autorrelatados (não aferidos por sensores) indicaram uma alta satisfação com os produtos entre os primeiros usuários, uso contínuo das lâmpadas solares e possível presença de efeito de custo irrecuperável, em que preços mais altos pagos inicialmente estimularam maior utilização — embora essa hipótese exija verificação adicional.

Foi também investigado o papel da aprendizagem social e dos efeitos de respingo. Os pesquisadores avaliaram se o conhecimento sobre os preços de exercício anteriores influenciava as decisões de licitação. A conclusão foi de que poucos participantes conheciam os preços externos, sugerindo baixos efeitos de ancoragem. O estudo aponta diversas recomendações para políticas de inclusão energética, no qual, subsídios são ferramentas eficazes para superar barreiras de adoção decorrentes do alto custo inicial. No mais, o comportamento de compra não foi fortemente influenciado por referências externas de preço, o que fortalece o uso de mecanismos aleatórios de precificação. Por fim, a presença de pioneiros na adoção pode gerar influência positiva na demanda futura, embora os efeitos de pares ainda não tenham sido comprovados com robustez.

  1. Detalhes da Avaliação

Para que fosse necessária a análise empírica, o estudo necessitou de uma minuciosa coleta de dados conjunta à um delineamento experimental. O primeiro estágio, mensurou a Disposição A Pagar (DAP ou conforme o texto descreve Willingness-to-Pay - WTP) para lâmpadas solares por meio do leilão BDM com preços aleatórios pré definidos, conforme anteriormente mencionado. No segundo estágio, um outro leilão foi realizado dois anos após (em 2015) para avaliar o WTP, hábito de uso das lâmpadas e consistência comportamental. Os dados de base consistem em características fundamentais das famílias como, educação, idade e renda. Posteriormente, as verificações de aleatoriedade dos dados confirmaram o equilíbrio entre os grupos de tratamento.

Nesse contexto, o primeiro estágio do estudo foi conduzido com diretrizes específicas. Inicialmente, analisou-se a sensibilidade dos preços, observando-se uma taxa de adoção de 70% para os preços mais baixos com desconto, em contraste com apenas 40% para os preços mais elevados. Esse exercício revelou que a demanda pelas lâmpadas solares era altamente elástica: descontos mais agressivos (ou preços reduzidos) estimularam significativamente a adesão dos consumidores.

Segundo os autores, o comportamento dos licitantes apresentou características diversas. Os chamados declinantes (13,5%) ofereceram lances acima do preço de exercício, mas não efetuaram a compra — possivelmente devido a restrições de liquidez. Por outro lado, os barganhadores (10,9%) fizeram lances abaixo do preço de exercício, mas posteriormente procuraram adquirir o produto — talvez por arrependimento ou acesso a novas informações.

Para considerar esses comportamentos inconsistentes, os lances foram ajustados: os dos declinantes foram reduzidos, enquanto os dos barganhadores foram elevados. No entanto, tais ajustes não alteraram os resultados principais do estudo.

Por fim, observou-se que reduções no preço das lâmpadas acima de 40% aumentaram a adoção em 20%, e reduções superiores a 50% geraram um incremento de 40% na adoção, evidenciando um padrão de demanda não linear.

No que diz respeito à consistência comportamental, não foram encontradas evidências de que os participantes que recusaram ou negociaram no Estágio 1 tenham apresentado lances diferentes no Estágio 2. A ausência de correlação entre os estágios quanto ao status de recusa sugere que não houve viés sistemático no mecanismo de BDM.

Além disso, a inclusão de novos participantes — os chamados "co-aldeões" — no Estágio 2 permitiu avaliar os efeitos indiretos causados pelos adotantes iniciais sobre o restante da comunidade.

Em síntese, o desenho experimental em duas etapas forneceu evidências robustas sobre a elasticidade do preço, as barreiras à adoção e os padrões comportamentais em mercados off-grid de energia solar. Embora os subsídios tenham se mostrado eficazes para impulsionar a adoção, desafios práticos como restrições de liquidez e arrependimento pós-compra indicam a necessidade de soluções políticas adaptadas para garantir uma adoção contínua. Por fim, os resultados destacam a relevância de mecanismos compatíveis com incentivos — como os leilões BDM — na mensuração precisa da demanda em intervenções voltadas ao acesso à energia.

  1. Método

O presente estudo adota uma abordagem baseada em regressão para analisar dados experimentais, utilizando erros-padrão agrupados ao nível do vilarejo (172 ou 90 clusters, conforme o modelo aplicado). A análise é conduzida em duas etapas principais, considerando diferentes variáveis dependentes e hipóteses relacionadas à adoção de tecnologias (como lâmpadas solares), padrões de uso e Disposição a Pagar (DAP). As estratégias metodológicas centrais incluem:

  • Regressão por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO): aplicada à maioria dos modelos.
  • Modelos Tobit: utilizados quando a variável dependente é censurada (por exemplo, minutos de uso da lâmpada).
  • Modelos de Variáveis Instrumentais (IV): implementados para tratar a endogeneidade na adoção da tecnologia, como a instrumentação da adoção por meio dos preços de exercício.

Além disso, os modelos incorporam efeitos fixos distritais e controles de linha de base para capturar características socioeconômicas das famílias, como idade, nível de escolaridade e renda. Três resultados principais são examinados, no qual, o primeiro estágio avalia por meio de uma variável binária que indica se o entrevistado i, na aldeia j, adquiriu a lâmpada solar na primeira etapa. Os regressores incluem dummies para preços de exercício médio e alto (preço baixo como categoria base). Logo após, o segundo estágio, mensurado pelo número de minutos de uso da lâmpada nas 24 ou 72 horas anteriores à entrevista de acompanhamento. Esta etapa também analisa o efeito do custo irrecuperável, isto é, se preços iniciais mais elevados induzem maior uso. Assim, a disposição a Pagar (DAP) avaliada, considera os impactos dos preços e da adoção no primeiro estágio. A regressão IV, com adoção instrumentada por preços de exercício, permite isolar os efeitos de ancoragem versus aprendizado social. Por fim, explora-se se o segundo estágio é influenciado por fatores como os preços de exercício anteriormente praticados nas aldeias (ancoragem) e a densidade de adotantes pioneiros (aprendizado social).

Em síntese, o experimento emprega regressões MQO, Tobit e IV em dois estágios, com agrupamentos ao nível dos vilarejos. Os principais efeitos fixos e controles incluem idade, educação e renda. As variáveis dependentes centrais são: adoção (binária), uso das lâmpadas (minutos) e DAP (contínua). As hipóteses testadas abordam: efeito de custo irrecuperável, efeito de triagem, ancoragem versus aprendizado social e transbordamentos sociais.

  1. Principais Resultados

O estudo apresentou resultados mistos. Em primeiro lugar, não houve evidências sólidas de vieses comportamentais. Os dados indicam ausência de efeitos de ancoragem: os participantes não basearam suas propostas nos preços iniciais. Da mesma forma, não foram observados efeitos de custo irrecuperável, ou seja, pagamentos iniciais mais altos não resultaram em maior uso a longo prazo.

Por outro lado, os subsídios demonstraram eficácia ao aumentar a demanda futura à medida que os usuários foram descobrindo os benefícios do produto. Contudo, também atraíram consumidores com uso limitado das lâmpadas, o que comprometeu a relação custo-benefício.

A disposição a pagar (DAP) permaneceu inferior ao custo. Mesmo após a exposição ao experimento, a maioria das famílias ofereceu lances abaixo do valor integral da lâmpada nos leilões subsequentes. Os autores sugerem que abordagens baseadas exclusivamente no mercado não são suficientes para garantir o acesso universal à energia.

Embora o período de amortização tenha sido curto — entre 6 e 10 meses, por meio da economia de querosene — a taxa de adoção foi baixa. Assim, as restrições de liquidez podem exercer influência, embora as evidências sejam contraditórias.

Por fim, no que diz respeito à aprendizagem social e aos efeitos de transbordamento, foram observados impactos mínimos entre os pares: as informações sobre os benefícios das lâmpadas não se disseminaram de forma significativa para além dos primeiros usuários. Esses resultados são consistentes com outros estudos que indicam uma aprendizagem social passiva e limitada em contextos de baixa renda (Dupas, 2014b; Beaman et al., 2021; Sayinzoga et al., 2016).

  1. Lições de Política Pública

O estudo aponta que subsídios podem impulsionar a adoção de lâmpadas solares, desde que acompanhados de um planejamento cuidadoso. Subsídios de curto prazo, por exemplo, ajudam as famílias a reconhecer o valor do produto, mas também podem atrair usuários com baixo uso efetivo, exigindo a implementação de mecanismos de direcionamento.

Nesse contexto, o acesso ao crédito pode complementar os subsídios. Se as restrições de liquidez forem um obstáculo à demanda, modelos de microfinanciamento ou sistemas de pagamento por uso podem oferecer soluções viáveis. Os autores destacam que a expansão da rede elétrica ainda pode não ser factível. Se até mesmo pequenas lâmpadas solares enfrentam barreiras à adoção, a eletrificação rural poderá exigir abordagens de longo prazo.

Adicionalmente, o estudo reconhece limitações no experimento: os resultados podem variar se os participantes tiverem acesso a opções fora do mercado, como o conhecimento prévio dos preços de varejo. Isso reforça a importância de desenvolver tipologias de consumo mais refinadas, pois vieses comportamentais — como a ancoragem — podem influenciar de forma diferente os diversos segmentos de usuários, especialmente ao se comparar bens duráveis e não duráveis. Os autores também enfatizam a necessidade de pesquisas futuras que aprofundem a análise por tipo de produto. Os efeitos observados podem variar em tecnologias voltadas à saúde, agricultura ou uso produtivo.

Em síntese, o estudo conclui que os subsídios podem estimular a adoção de lâmpadas solares ao facilitar o aprendizado dos consumidores. No entanto, os vieses comportamentais, como ancoragem e custos irrecuperáveis, mostraram-se pouco significativos neste contexto. A demanda de mercado, por si só, não é suficiente para garantir acesso universal à energia, e os efeitos de aprendizagem social permanecem limitados.

Dessa forma, os formuladores de políticas públicas devem buscar equilíbrio entre subsídios de curto prazo e mecanismos de direcionamento, além de explorar alternativas complementares de financiamento — como o crédito — para ampliar os ganhos de bem-estar. Pesquisas futuras devem investigar respostas heterogêneas dos consumidores e considerar os diferentes tipos de produto para aprimorar o desenho das políticas de subsídio.

Referências

Beaman, L., BenYishay, A., Magruder, J. & Mobarak, A. (2021) Can network theory-based targeting increase technology adoption? American Economic Review.

Dupas, P. (2014) Getting essential health products to their end users: subsidize, but how much? Science, 345(6202), pp.1279–1281.

Peters, J. & Sievert, M. (2016) Impacts of rural electrification revisited – the African context. Journal of Development Effectiveness, 8(3), pp.327–345.

Sayinzoga, A., Bulte, E. & Lensink, B.W. (2016) Financial literacy and financial behavior: experimental evidence from rural Rwanda. The Economic Journal, 126, pp.1571–1599.