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ECONOMIA E GESTÃO.

Alívio da usura: Impacto de um programa de empréstimos para grupos de autoajuda na Índia rural

05 dez 2025

Pesquisador responsável: Omar Barroso Khodr

Autores: Vivian Hoffmann, Vijayendra Rao, Vaishnavi Surendra, Upamanyu Datta

Título original: Relief from usury: Impact of a self-help group lending program in rural India

Localização da Intervenção: Políticas de Crédito e Desenvolvimento Econômico.

Tamanho da Amostra:  180 panchayats (unidades administrativas locais)

Variável de Interesse Principal: O resultado do interesse para as famílias na aldeia no panchayat no ano ‘t’.

Tipo de Intervenção: Políticas de subsídio de crédito, redução da pobreza

Metodologia: especificação ANCOVA; passeio aleatório; método stepwise de Romano-Wolf; e uso de inferência de randomização

Resumo

A oferta de microcrédito a baixo custo para a população de baixa renda, geralmente por meio de grupos de autoajuda (GAAs), tem sido amplamente adotada como uma estratégia fundamental para a redução da pobreza em países em desenvolvimento. No entanto, as evidências sobre o impacto dessa abordagem são escassas. Utilizando um programa de implementação aleatória em mais de 180 panchayats (conselhos de aldeia), os autores avaliam o impacto de uma iniciativa de GAAs liderada pelo governo no estado indiano de Bihar. Dois anos após o início do programa, os autores observaram um aumento expressivo na adesão aos GAAs e nos empréstimos concedidos por esses grupos, resultando em uma queda correspondente no uso de crédito informal. Além disso, os autores notam que há menos credores informais atuando nas aldeias beneficiadas, e aqueles que permanecem cobram taxas de juros mais baixas. Embora esses impactos no mercado de crédito possam levar a melhorias substanciais no bem-estar econômico a longo prazo, o impacto do programa sobre esses resultados é modesto no curto prazo.

  1. Problema de Política

Os autores discutem questões críticas de implicações políticas relacionadas a programas de Grupos de Autoajuda (GAA) em larga escala, conduzidos pelo governo Indiano. A questão central é que, embora bilhões de dólares sejam investidos nesses programas, há uma notável escassez de evidências rigorosas sobre seu impacto real, especialmente no mercado de crédito informal. Essa lacuna de evidências compromete grandes iniciativas de redução da pobreza, nas quais formuladores de políticas alocam vastos recursos com base, sobretudo, em dados observacionais que podem ser enganosos. O artigo enfrenta diretamente esse problema ao apresentar uma avaliação randomizada — de acordo com eles o padrão-ouro em análise de impacto — para oferecer uma medida mais confiável dos efeitos do programa e responder à questão fundamental: esses investimentos substanciais estão sendo bem aplicados?

Uma dimensão política central explorada é o impacto dos programas de GAA nos mercados de crédito informal. Antes deste estudo, o efeito de iniciativas em larga escala sobre o setor informal, do qual depende uma ampla parcela da população rural pobre, era pouco compreendido. Os autores demonstram que tais programas não apenas introduzem uma nova fonte de crédito, mas também desestabilizam ativamente o mercado informal. As principais conclusões revelam um efeito de substituição, em que famílias trocam dívidas informais de alto custo por empréstimos de baixo custo oferecidos pelos GAA, além de uma pressão competitiva que força credores informais a reduzir suas taxas de juros, levando alguns à saída do mercado. Segundo os resultados, isso resulta em ganhos significativos de bem-estar, especialmente para grupos marginalizados, como as Castas e Tribos Registradas, que experimentaram uma redução de 20% no custo de seus empréstimos.

Nesse contexto, o artigo também examina criticamente o impacto socioeconômico mais amplo. Os programas de GAA são frequentemente justificados por promessas de redução da pobreza, aumento do investimento produtivo e empoderamento feminino. No entanto, os resultados levantam preocupações para os formuladores de políticas: os efeitos foram modestos e limitados, como um leve aumento nos ativos de consumo, sem crescimento nos ativos produtivos ou no próprio consumo. Os autores explicam, que consequentemente não houve impacto perceptível sobre o empoderamento feminino. Segundo eles, esse fator exige uma reconsideração das políticas: se o principal benefício comprovado é a redução do custo da dívida, e não a promoção de mudanças transformadoras, os objetivos e a comunicação pública do programa precisam ser recalibrados.

Além do mais, o artigo apresenta evidências robustas sobre focalização e equidade. Dado que os mercados de crédito informais são altamente estratificados e desfavorecem os mais pobres, o estudo demonstra que programas de GAA bem direcionados podem alcançar com sucesso grupos marginalizados e oferecer-lhes um alívio financeiro desproporcional. Isso confirma que tais iniciativas podem ser uma ferramenta eficaz na promoção da equidade financeira.

Em síntese, as implicações para os formuladores de políticas são claras. O artigo sustenta que investir em programas de GAA é uma estratégia eficaz para desarticular credores informais exploradores, representando seu efeito mais relevante. Contudo, recomenda-se cautela quanto às expectativas de mudanças transformadoras em empoderamento ou renda, e enfatiza-se a necessidade de basear futuras decisões de financiamento em evidências rigorosas. A principal recomendação é concentrar-se no benefício primário e comprovado: oferecer crédito a baixo custo, capaz de estimular a concorrência e reduzir o ônus financeiro sobre os pobres — o que, por si só, já constitui uma conquista significativa.

  1. Contexto de Implementação da Política

Os autores salientam, que políticas públicas de concessão de crédito por meio de GAAs vem sendo implementada em um contexto no qual seu impacto geral, especialmente sobre o mercado de crédito informal, permanece teoricamente ambíguo e empiricamente incerto. Segundo os autores, as evidências disponíveis sobre programas semelhantes de GAA em larga escala, conduzidos pelo governo, baseavam-se em métodos observacionais, como o pareamento por escore de propensão. Esses estudos apresentaram resultados heterogêneos em relação a desfechos econômicos, como a posse de ativos, mas frequentemente relataram efeitos positivos na autonomia das mulheres. Contudo, a dependência de dados não experimentais manteve em aberto a possibilidade de viés, dificultando a formulação de conclusões causais definitivas sobre os reais efeitos da política.

Desta maneira, um aspecto crucial do contexto de implementação é a interação pretendida da política com o setor de crédito informal, no qual uma parcela significativa da população rural pobre — especialmente em regiões como Bihar — ainda recorre a empréstimos com altas taxas de juros. Teoricamente, a introdução de um concorrente de baixo custo, como os programas de GAA, poderia desestabilizar esse mercado por meio da pressão competitiva, reduzindo as taxas para todos. No entanto, a teoria econômica também sugere cenários alternativos: o novo crédito poderia induzir risco moral entre os tomadores ou provocar segmentação de mercado, potencialmente elevando as taxas de juros para aqueles não atendidos pelos GAA (Hoff, Karla and Stiglitz, 1997; Kahn and Mookherjee, 1998; McIntosh and Wydick, 2005). Essa ambiguidade teórica evidencia uma lacuna relevante na base de evidências da política, já que compreender essa interação é essencial para avaliar suas implicações gerais sobre o bem-estar.

Os estudos empíricos existentes sobre essa interação específica também apresentaram resultados divergentes: alguns não identificaram substituição dos credores informais, enquanto outros apontaram relações mais complexas. Uma limitação fundamental desses trabalhos — inclusive de Ensaios Clínicos Randomizados (ECR) recentes sobre microcrédito — tem sido a dificuldade de mensurar de forma definitiva o impacto nos mercados informais. Isso se deve, em grande parte, às baixas taxas de adesão aos programas ou a contextos em que o crédito informal não constitui a principal fonte de financiamento. Assim, a política foi implementada e expandida com bilhões de dólares em investimentos sem evidências causais robustas sobre um de seus principais mecanismos de mudança: a capacidade de superar e disciplinar os credores informais de alto custo que perpetuam a pobreza. Por fim, esse estudo busca preencher essa lacuna crítica, avaliando um programa com alta adesão em uma região fortemente dominada pelo crédito informal, e fornecendo o primeiro teste causal consistente do impacto dessa política sobre esse mercado.

  1. Detalhes da Avaliação

A avaliação foi conduzida em Bihar, um estado da Índia com extrema necessidade de estratégias eficazes de redução da pobreza, onde viviam 32 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. Um traço marcante desse contexto era a severa falta de acesso a serviços financeiros formais entre a população pobre. Na época, o crédito por meio de GAAs ou Instituições de Microfinanças (IMFs) era bastante limitado, representando apenas 3,2% dos empréstimos em aberto. Em contraste, o crédito oferecido por agiotas, a juros elevados, era amplamente disseminado, configurando uma clara lacuna de mercado e uma demanda urgente por alternativas acessíveis. Essa conjuntura justificou diretamente a implementação do projeto Jeevika pelo governo em parceria com o Banco Mundial.

Segundo os autores, a intervenção avaliada corresponde a um programa de GAA em larga escala, liderado pelo governo, com desenho abrangente. Seus principais componentes incluem a mobilização de mulheres em pequenos grupos que se reúnem semanalmente, posteriormente organizados em estruturas maiores, em nível de aldeia e núcleo urbano, para facilitar o acesso a bancos formais. As atividades do programa vão além da concessão de crédito, incorporando um currículo de treinamento voltado ao empoderamento feminino, à defesa de direitos e ao desenvolvimento de habilidades básicas de leitura, escrita e matemática. Embora tenha como público-alvo comunidades pobres e marginalizadas, o programa é amplamente acessível a qualquer mulher adulta residente nas áreas de atuação.

De acordo com os autores, do ponto de vista financeiro, o eixo central da intervenção é o acesso a crédito subsidiado. Após três meses de pequenas economias regulares, os grupos tornam-se elegíveis para um montante significativo de capital destinado a empréstimos. Esses empréstimos são oferecidos a uma taxa de juros mensal de 2%, estrategicamente definida em menos da metade da taxa praticada no mercado informal, configurando-se como uma alternativa altamente atrativa. A avaliação concentra-se especificamente nesse mecanismo de crédito, uma vez que outros componentes planejados — como o treinamento para geração de renda — ainda não haviam sido implementados na região estudada durante o período de análise. Isso possibilita um teste claro e isolado do impacto da oferta de crédito de baixo custo, com responsabilidade coletiva, em um cenário dominado por agiotas que praticam taxas elevadas.

  1. Método

Segundo os autores, a avaliação do projeto Jeevika empregou um delineamento experimental rigoroso. A intervenção foi implementada de forma randomizada em 180 panchayats (unidades administrativas locais), que constituíram a unidade primária de análise. Para aumentar a precisão do experimento, as unidades foram inicialmente pareadas com suas vizinhas mais próximas dentro do mesmo bloco, com base em níveis basais semelhantes de endividamento de alto custo. Em seguida, uma panchayat de cada par foi aleatoriamente designada para o grupo de implementação antecipada (tratamento), enquanto a outra foi destinada à implementação tardia (controle), estabelecendo um contrafactual claro para comparação.

Os autores revelam, que a estratégia de amostragem dos domicílios foi cuidadosamente planejada para alcançar os beneficiários-alvo do programa. O objetivo do estudo foi priorizar grupos socioeconomicamente desfavorecidos, sem perder variabilidade, a amostra foi estratificada de modo a incluir 70% de domicílios de castas e tribos registradas (SC/ST) e 30% de outras castas. Nos povoados segregados (tolas), os domicílios foram selecionados por meio de um método de passeio aleatório com padrão de salto, assegurando aleatoriedade dentro de cada estrato. Para a análise, foram construídos pesos de amostragem de probabilidade inversa, de forma que os resultados refletissem a composição real de castas em cada aldeia, atribuindo-se peso igual a todas elas.

Com isso, a coleta de dados foi abrangente, realizada tanto no nível domiciliar quanto no nível da aldeia. As pesquisas de linha de base e de acompanhamento reuniram informações detalhadas das famílias sobre dívidas, ativos, consumo, meios de subsistência e empoderamento feminino. Complementarmente, foram conduzidas pesquisas em nível de aldeia com membros da comunidade conhecedores do contexto local, a fim de chegar a consensos sobre atributos-chave, como dados demográficos, fontes de crédito, taxas de juros e salários.

Empiricamente, o principal método utilizado para estimar o impacto do programa foi uma especificação ANCOVA, que controla os valores de linha de base das variáveis de resultado, aumentando o poder estatístico. Esse procedimento fornece uma estimativa por intenção de tratar (ITT) do efeito da intervenção.  

Finalmente, o estudo também pré-especificou uma análise de heterogeneidade dos efeitos do tratamento, testando se o impacto diferia para famílias de castas e tribos registradas (SC/ST), grupo-alvo central, por meio de termos de interação na regressão. A robustez estatística foi assegurada por diferentes estratégias: erros padrão agrupados no nível do panchayat; criação de índices para famílias de variáveis relacionadas, a fim de lidar com testes de hipóteses múltiplas, com valores-p ajustados pelo método stepwise de Romano-Wolf; e uso de inferência de randomização para validar adicionalmente a significância dos efeitos do tratamento.

  1. Principais Resultados

Os resultados do estudo revelam impactos significativos do programa Jeevika, particularmente na reconfiguração dos padrões de crédito das famílias e na influência sobre os mercados de crédito informais locais. Um dos principais efeitos diretos foi o aumento expressivo na participação em Grupos de Autoajuda (GAA) e na obtenção de empréstimos por meio deles. De acordo com os autores, nas áreas de intervenção, 55% das famílias tinham pelo menos um membro em um GAA e 30% haviam contraído empréstimos por meio desses grupos, taxas muito superiores às das áreas de controle. Essa adesão foi especialmente acentuada entre as famílias de castas e tribos registradas (SC/ST), que eram o foco do programa.

Consequentemente, houve uma redução no recurso a credores informais pelas famílias das áreas do programa, com uma queda de 5 a 6 pontos percentuais na obtenção de novos empréstimos informais. Essa substituição levou a uma diminuição robusta e significativa no custo do crédito para as famílias: a taxa de juros média mensal dos empréstimos recentes caiu 0,7 ponto percentual (uma redução de 13%). Os autores salientam que esse efeito foi mais forte para as famílias SC/ST, que enfrentavam taxas mais altas no início do estudo.

Porém, apesar dessa mudança nas fontes de crédito, o programa não aumentou significativamente o valor total da dívida das famílias e pode até tê-lo reduzido, sugerindo que o Jeevika proporcionou crédito mais barato em vez de simplesmente aumentar o endividamento. Em termos de mercado, o programa teve efeitos indiretos mensuráveis no setor de crédito informal.

A análise, que corrigiu possíveis alterações no perfil dos tomadores de empréstimo, constatou que o Jeevika levou a uma redução modesta, porém estatisticamente significativa, nas taxas de juros informais. Esse efeito concentrou-se entre as famílias SC/ST, que apresentaram uma queda de 4,7%. Corroborando essa descoberta, dados em nível de aldeia — menos suscetíveis a viés de composição — mostraram um declínio semelhante.

Além disso, o programa contribuiu para uma contração no próprio setor de empréstimos informais, com o número de credores informais ativos nas aldeias diminuindo em aproximadamente 10% nas áreas de intervenção. O impacto combinado nesse conjunto de resultados em nível de mercado foi altamente significativo. Desta maneira, o estudo também estabeleceu importantes conclusões contextuais. Na linha de base, as famílias SC/ST demonstraram maior vulnerabilidade financeira, com mais prevalência de dívidas, empréstimos de menor valor e taxas de juros significativamente mais altas em comparação com outras famílias.

Por fim, embora o desenho randomizado tenha sido, em geral, bem-sucedido, os autores observaram alguns pequenos desequilíbrios entre os grupos de tratamento e controle na linha de base. No entanto, eles empregaram métodos estatísticos robustos, incluindo ANCOVA, para controlar essas diferenças preexistentes e confirmaram que os principais resultados sobre acesso ao crédito e taxas de juros permaneceram fortes e significativos mesmo após o ajuste para testes de hipóteses múltiplas.

  1. Lições de Política Pública

O programa Jeevika demonstra várias lições importantes de políticas públicas relacionadas à intervenção de microcrédito e seu impacto nos mercados locais em economias informais. A política de microcrédito baseado em GAAs é uma ferramenta eficaz para reconfigurar os padrões de crédito das famílias, oferecendo uma alternativa robusta aos credores informais. A principal lição é que o apoio governamental a GAAs pode alcançar um alto nível de adesão e uso de crédito institucional, especialmente entre os grupos mais vulneráveis, como as famílias de Castas e Tribos Registradas (SC/ST). Ao aumentar o acesso a empréstimos formais, a política pública consegue promover uma substituição direta do crédito informal, conforme evidenciado pela queda de 5 a 6 pontos percentuais em novos empréstimos de agiotas.

Uma segunda lição é que tais programas de crédito podem levar a uma redução significativa e robusta no custo do crédito para as famílias. O estudo mostra que a introdução do Jeevika forçou a queda da taxa de juros média mensal para os empréstimos recentes em 13%. Este efeito de redução de custos foi mais pronunciado para as famílias SC/ST, que originalmente pagavam as taxas mais altas, demonstrando que a política pública não apenas melhora o acesso, mas também atua como um mecanismo de proteção e equidade financeira para os grupos mais vulneráveis. É importante notar que essa política conseguiu prover crédito mais barato sem aumentar o endividamento total das famílias.

Por fim, o estudo ressalta o poder das intervenções de crédito na influência indireta sobre os mercados informais locais. Ao fornecer uma alternativa viável, o programa não só reduziu a taxa de juros cobrada pelos credores informais remanescentes (efeito estatisticamente significativo) — concentrado nas famílias SC/ST — mas também causou uma contração física no setor informal, com uma diminuição de 10% no número de credores ativos nas aldeias. Isso sugere que a política de microcrédito tem um efeito de alavancagem de mercado, melhorando as condições de crédito para todos e diminuindo o poder dos agiotas, o que é um resultado de política pública altamente significativo.

Referências

Hoff, Karla and Joseph E. Stiglitz. 1997. “Moneylenders and bankers: price-increasing

subsidies in a monopolistically competitive market.” Journal of Development Economics, 52(2),

pp. 429-462.

Kahn, Charles M. and Dilip Mookherjee. 1998. “Competition and incentives with

nonexclusive contracts.” The RAND Journal of Economics, pp.443-465.

McIntosh, Craig, & Bruce Wydick. 2005. “Competition and Microfinance.” Journal of

Development Economics, 78: 271-298