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ECONOMIA E GESTÃO.

Seguro de saúde pública e inovação farmacêutica: evidências da China

19 dez 2025

Pesquisador responsável: Omar Barroso Khodr

Autores: Xuan Zhanga e Huihua Nieb

Título original: Public Health Insurance and Pharmaceutical Innovation: Evidence from China

Localização da Intervenção: China

Tamanho da Amostra: 64 pacientes

Variável de Interesse Principal: Medidas de quantidade e qualidade de patentes relacionadas à doença

Tipo de Intervenção: Intervenção em políticas públicas visadas a área da saúde

Metodologia: diferenças em diferenças (DID); Efeitos Fixos em Poisson; e, modelos log-linear.

Resumo

Os países em desenvolvimento costumam apresentar baixos níveis de inovação farmacêutica.  Segundo os autores, uma possível explicação para esse fenômeno é o reduzido tamanho efetivo de seus mercados, todavia, não em função da população total, mas devido aos baixos níveis de renda e à limitada cobertura de seguro saúde. Desta maneira, este estudo investiga um experimento natural decorrente da implementação de um programa público de seguro saúde para residentes rurais na China — o Novo Plano Médico Cooperativo (NCMS) — com o objetivo de examinar se a indústria farmacêutica intensifica seus esforços de inovação em relação às doenças cobertas pelo NCMS e prevalentes em áreas rurais. Para isso, os autores analisam dados de patentes entre 1993 e 2009, avaliando a evolução da inovação farmacêutica no país. Com isso, os autores observam que doenças com uma proporção 10% maior de pacientes rurais registraram um aumento de 12,4% nos pedidos de patentes farmacêuticas nacionais relevantes, além de um modesto avanço na qualidade das patentes após a introdução do NCMS. Por fim, os resultados sugerem que, ao oferecer seguro saúde público a populações de baixa renda, os governos de países em desenvolvimento podem estimular.

  1. Problema de Política

Segundo os autores, a questão central reside no desequilíbrio global na pesquisa e desenvolvimento (P&D) na área farmacêutica. Apesar de abrigarem mais de 80% da população mundial, os países em desenvolvimento recebem apenas uma pequena fração do investimento global em P&D, o que leva a uma grave negligência no tratamento de doenças que afetam predominantemente suas populações de baixa renda. Uma questão fundamental na política econômica é como corrigir essa falha de mercado e incentivar a inovação para essas "doenças negligenciadas".

Deste modo, o estudo investiga diretamente uma possível solução: se o seguro saúde público contribuí como uma poderosa política de incentivo à inovação. Embora esses programas sejam implementados principalmente para melhorar o acesso à saúde e a proteção financeira, seu potencial para expandir o tamanho do mercado e, assim, criar incentivos para que as empresas inovem tem sido uma possibilidade teórica, porém pouco testada, no contexto dos países em desenvolvimento. A pesquisa testa a hipótese de que, ao tornar os medicamentos mais acessíveis para uma grande população pobre, o seguro saúde pode viabilizar financeiramente o investimento em P&D relevante para as empresas.

Adicionalmente, o estudo aborda o ceticismo em torno desse mecanismo nas economias em desenvolvimento. O estudo confronta explicitamente dois contra-argumentos principais: o primeiro, que a fraca proteção da propriedade intelectual (PI) prejudicaria o incentivo comercial à inovação e, segundo, que um baixo nível de capacidade tecnológica impediria as empresas de responderem eficazmente. Ao estudar a China, um país com economia em desenvolvimento, mas com leis de PI relativamente robustas, os autores avaliam se essas barreiras podem ser superadas.

Por fim, as conclusões têm implicações profundas para a formulação de políticas. O estudo sugere que políticas voltadas para a demanda, como o seguro saúde, não são apenas ferramentas de bem-estar social, mas podem ser componentes integrais de uma estratégia nacional de inovação. Implica que governos em países em desenvolvimento podem usar estrategicamente o financiamento da saúde para direcionar o progresso tecnológico para suas prioridades específicas de saúde, criando um ciclo virtuoso em que a melhoria do acesso à saúde também estimula a indústria farmacêutica nacional. Isso fornece uma alternativa crucial, baseada em evidências, à dependência exclusiva de medidas tradicionais voltadas para a oferta, como bolsas de pesquisa.

  1. Contexto de Implementação da Política

De acordo com os autores, três fatores principais desafiaram a implementação de políticas públicas de seguro saúde. Em primeiro lugar, o NCMS surgiu como resposta direta a uma grave falha na saúde pública. Após o colapso do antigo Sistema Cooperativo de Saúde Rural, no final da década de 1970, mais de 80% dos moradores rurais permaneceram sem cobertura por décadas. As consequências foram severas: cerca de 38% dos indivíduos doentes nessas áreas deixaram de buscar atendimento médico, e milhões de famílias foram empurradas anualmente para a pobreza devido ao endividamento com despesas médicas. O NCMS, portanto, não representou um mero ajuste técnico, mas sim uma intervenção decisiva para enfrentar uma falha sistêmica no acesso à saúde rural.

Em segundo lugar, a implementação do NCMS foi intrinsecamente complexa e altamente descentralizada. Embora financiado majoritariamente por subsídios governamentais crescentes, o programa era voluntário para os indivíduos — ainda que exigisse a adesão de todas as famílias como forma de evitar seleção adversa. Crucialmente, sua administração foi delegada ao nível dos condados. Isso significava que, embora o governo central definisse diretrizes gerais e provesse recursos, cerca de 3.000 municípios rurais precisaram desenhar e gerir seus próprios programas específicos. O resultado foi uma verdadeira colcha de retalhos de implementações locais, em vez de uma política nacional uniforme, o que adicionou uma camada de complexidade para empresas e inovadores interessados em compreender o novo cenário de mercado.

Em último lugar, e de forma especialmente relevante para o estudo, a política foi introduzida em um setor farmacêutico nacional ainda pouco preparado para inovação de alto nível. O mercado era dominado por fabricantes de medicamentos genéricos, e a maior parte da atividade inovadora consistia em imitação, não em avanços disruptivos. Além disso, embora o sistema de patentes da China tenha se aprimorado desde os anos 1990, ele ainda favorecia uma cultura de “primeiro a registrar”, que frequentemente priorizava pedidos rápidos e de baixa qualidade em detrimento de invenções substanciais. O desafio central enfrentado pelos autores foi demonstrar que uma política orientada pela demanda, como o NCMS, poderia efetivamente estimular a inovação mesmo em um ambiente onde as capacidades produtivas e as normas de propriedade intelectual ainda estavam em processo de consolidação.

  1. Detalhes da Avaliação

Os dados primários do estudo para medir a inovação farmacêutica provêm de informações de patentes. São utilizadas métricas como o número de pedidos de patentes, patentes concedidas, renovações, citações futuras e número de reivindicações para avaliar tanto a quantidade quanto a qualidade da inovação. Os autores justificam esse foco em patentes observando que elas são a forma dominante de proteção da propriedade intelectual na indústria farmacêutica e demonstram uma correlação positiva (com elasticidade de 0,37) entre os gastos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e os pedidos de patentes entre as empresas farmacêuticas chinesas. Os dados de patentes são provenientes da Administração Nacional de Propriedade Intelectual da China (CNIPA) e complementados com dados do Google Patents para citações e reivindicações. A análise se limita a patentes de 1993 a 2009 para evitar períodos anteriores à introdução da proteção de compostos químicos e para excluir o período posterior a grandes mudanças políticas, incluindo uma alteração na lei de patentes e o lançamento de um importante projeto de desenvolvimento de novos medicamentos em 2009. Os autores evitam explicitamente o uso de dados de ensaios clínicos e de aprovação de novos medicamentos da Administração Nacional de Produtos Médicos devido à falta de dados iniciais e a problemas de credibilidade decorrentes de um escândalo de corrupção de grande repercussão.

Para os dados sobre doenças, o estudo se baseia nas taxas de morbidade e prevalência dos Inquéritos Nacionais de Saúde da China (NHSS) e do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças (China CDC). Esses dados abrangem 24 doenças específicas, incluindo 11 diretamente do NHSS, 10 doenças infecciosas importantes, duas doenças ocupacionais e infertilidade. Um ponto crucial da análise é que cinco dessas doenças (gonorreia, sífilis, infertilidade, pneumoconiose e intoxicação química) não são cobertas pelo Novo Sistema Cooperativo de Saúde (NCMS), o principal programa público de seguro saúde da China na época, pois se enquadram nas exclusões para doenças sexualmente transmissíveis, infertilidade e acidentes de trabalho.

Por fim, o estudo incorpora diversos outros conjuntos de dados para fornecer contexto. Essas fontes incluem os Inquéritos de Saúde e Nutrição da China (CHNS, na sigla em inglês), para calcular as taxas de seguro de saúde, o Inquérito Anual às Empresas Industriais (ASIF, na sigla em inglês), para dados de vendas e P&D em nível empresarial, e vários anuários nacionais para acompanhar a evolução do seguro de saúde, o crescimento econômico e a demografia.

  1. Método

A estratégia empírica que os autores adotam consiste em testar se a introdução do Novo Sistema Cooperativo de Saúde da China (NCMS), que expandiu o seguro saúde para populações rurais, incentivou a inovação farmacêutica para doenças que se tornaram mais lucrativas como resultado. A principal escolha metodológica foi empregar um modelo generalizado de diferenças em diferenças (DID, na sigla em inglês) que aproveita a variação na intensidade do tratamento entre diferentes doenças. Em vez de uma simples comparação de antes e depois, a análise cria uma variável de "tratamento" única para cada doença, combinando se ela era coberta pelo NCMS com a proporção preexistente de seus pacientes que viviam em áreas rurais (Hausman, Hall e Griliches, 1984; Wooldridge, 1999).

A lógica é que doenças com uma maior proporção de pacientes rurais experimentaram uma expansão maior em seu tamanho de mercado esperado após a implementação do NCMS, e isso deveria levar a uma resposta de inovação mais forte. Para isolar esse efeito, o modelo controla outros fatores que poderiam impulsionar a inovação, como o crescimento do mercado em áreas urbanas (usando a contagem de pacientes urbanos) e tendências subjacentes específicas da doença. Essa abordagem é crucial porque permite aos pesquisadores atribuir as mudanças na inovação não apenas à existência da política, mas também ao mecanismo econômico específico — a mudança no tamanho do mercado — que a teoria prevê que deve impulsionar o comportamento das empresas. Além disso, o estudo leva em consideração o potencial de fatores de confusão decorrentes de outras políticas implementadas posteriormente no período e utiliza um modelo estatístico adequado para dados de inovação baseados em contagem, como registros de patentes.

            Para assegurar a robustez e a credibilidade de suas principais conclusões, os autores recorreram a um método estatístico alternativo — modelos log-lineares — como verificação complementar à análise primária. O objetivo era demonstrar que o resultado central, segundo o qual a política do NCMS impulsionou a inovação, não decorria de uma escolha específica de modelagem estatística. Como os dados sobre o número de patentes continham muitos valores zero (referentes a doenças ou anos sem registros), o que representa um desafio para modelos log-lineares convencionais, os autores aplicaram duas transformações distintas nos dados para tratar adequadamente esses zeros.

O fato de esses modelos alternativos produzirem resultados consistentes com a análise principal reforça a conclusão de que o aumento observado na inovação é um efeito real da política, e não um artefato metodológico. Essa etapa é fundamental para a integridade de uma pesquisa empírica rigorosa, pois demonstra que as conclusões se mantêm robustas sob diferentes especificações analíticas.

  1. Principais Resultados

Segundo os autores, os resultados indicam que o NCMS teve um impacto positivo significativo sobre a quantidade de inovação farmacêutica, embora seu efeito sobre a qualidade tenha sido mais modesto. A análise mostra que, para uma doença coberta pelo NCMS com uma proporção 10% maior de pacientes rurais, houve um aumento de 7,8% no total de pedidos de patentes. Esse crescimento foi inteiramente impulsionado por requerentes nacionais, cujos pedidos aumentaram em 12,4%, enquanto os requerentes estrangeiros não demonstraram qualquer reação. A resposta doméstica foi imediata, iniciando-se em 2003, logo após o anúncio da política.

Contudo, ao examinar indicadores mais refinados de qualidade, os efeitos se revelaram menos expressivos.

O aumento nas concessões e renovações de patentes nacionais correspondeu a apenas cerca de metade do crescimento observado nos pedidos, sugerindo que muitas das novas patentes eram de qualidade inferior ou de caráter repetitivo. Da mesma forma, métricas como o número de citações futuras e o volume de reivindicações apresentaram apenas impactos positivos modestos e, em alguns casos, com defasagem temporal.

Os autores ressaltam que uma análise mais detalhada da natureza dessas inovações revelou que as empresas nacionais foram as principais responsáveis, com um aumento superior a 27% em seus pedidos de patentes. As novas patentes referiam-se, em grande parte, a inovações que combinavam produto e processo — um indicativo promissor, dado que esse tipo de patente tende a apresentar qualidade superior em relação às que se concentram exclusivamente no processo. Por fim, os pesquisadores abordaram possíveis limitações metodológicas e confirmaram que suas principais conclusões sobre o impacto positivo do NCMS na inovação nacional, ainda que mais pronunciado na dimensão quantitativa, permanecem robustas.

  1. Lições de Política Pública

Uma lição central de política pública é que o seguro de saúde estatal não deve ser visto apenas como uma despesa voltada ao bem-estar social, mas também como uma poderosa alavanca de política industrial e de estímulo à inovação. Os autores demonstram que, ao ampliar a cobertura para populações rurais e de baixa renda, os governos de países em desenvolvimento podem criar, de forma estratégica, mercados mais amplos e previsíveis para doenças específicas. Esse efeito de expansão de mercado gera um incentivo financeiro direto para que empresas farmacêuticas intensifiquem seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em áreas frequentemente negligenciadas — como aquelas que afetam desproporcionalmente os mais pobres.

Nesse sentido, ao planejar a expansão da assistência médica, os formuladores de políticas públicas podem considerar deliberadamente a direção desejada da mudança tecnológica e utilizar a cobertura como instrumento para orientar a inovação em direção às prioridades nacionais de saúde. As evidências sugerem, contudo, que para aproveitar plenamente esse estímulo à inovação, será necessário complementar tais políticas com esforços voltados à melhoria da qualidade dos resultados inovadores. Embora o estudo tenha identificado um aumento expressivo nos pedidos de patentes, os indicadores de qualidade apresentaram avanços mais modestos. Isso indica que, embora a demanda de mercado impulsione a quantidade, medidas adicionais são essenciais para assegurar progressos significativos e de alto padrão.

Nesse contexto, os formuladores de políticas poderiam incorporar incentivos baseados na qualidade, vinculando, por exemplo, créditos fiscais ou subsídios à P&D não apenas ao número de patentes registradas, mas também a marcos subsequentes — como a realização bem-sucedida de ensaios clínicos ou o desenvolvimento de medicamentos com vantagens terapêuticas relevantes.

Por fim, a análise destaca a importância de uma estrutura de avaliação mais abrangente para as políticas de saúde pública. O simples aumento na atividade inovadora não garante, por si só, uma melhoria no bem-estar social. É fundamental que os formuladores de políticas apoiem e financiem estudos de longo prazo que acompanhem todo o ciclo da inovação — da patente ao produto — e conduzam análises rigorosas de custo-benefício. Isso permitiria verificar se os novos medicamentos são eficazes, acessíveis e, em última instância, se geram um benefício líquido para a sociedade, assegurando que os recursos públicos investidos em seguro saúde produzam o maior retorno possível, tanto em termos de saúde quanto de desenvolvimento econômico.

Referências

Hausman, J., Hall, B.H., Griliches, Z., 1984. Econometric Models for Count Data with an Application to the Patents-R&D Relationship. Econometrica

 52, 909–38.

Wooldridge, J.M., 1999. Distribution-free Estimation of Some Nonlinear

 Panel Data Models. Journal of Econometrics 90, 77–97.