Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original:
Autores: Matteo Fiorini, Marco Sanfilippo e Asha Sundaram
Localização da Intervenção: Etiópia
Tamanho da Amostra: 12.672 firmas-ano
Setor: Economia do Transporte
Variável de Interesse Principal: Produtividade Total dos Fatores
Tipo de Intervenção: Redução tarifária
Metodologia: TW-FE, Logit
Resumo
A infraestrutura de transporte é essencial para o desenvolvimento econômico, influenciando diretamente a produtividade das firmas. Em sentido similar, as tarifas desempenham um papel fundamental na expansão comercial dos países. A Etiópia observou uma redução de tarifas de importação e investimentos em rodovias a partir dos anos 1990, permitindo avaliar os efeitos combinados dessas reformas. Este estudo analisou como essa liberalização de insumos afetou a produtividade das firmas etíopes, considerando o papel complementar da infraestrutura viária. Utilizando dados geoespaciais sobre a rede rodoviária e censos industriais entre 1998 e 2009, os autores aplicaram diferentes modelos econométricos considerando diferentes fatores de mercado e de infraestrutura das firmas. Os resultados indicam que, isoladamente, a redução de tarifas pouco afeta a produtividade, mas verificou-se um aumento significativo no uso de insumos importados e na adoção de tecnologias produtivas quando acompanhada por melhorias nas estradas. Firmas em localidades mais conectadas também enfrentam maior concorrência, o que intensifica os incentivos à eficiência. Adicionalmente, os ganhos são mais expressivos em áreas antes isoladas, destacando o papel das estradas na difusão dos benefícios da abertura comercial.
A relação entre políticas de liberalização comercial e o desempenho produtivo das empresas tem sido objeto recorrente na literatura de desenvolvimento econômico. A abertura ao comércio, especialmente por meio da redução de tarifas sobre insumos intermediários, pode impulsionar a eficiência produtiva ao facilitar o acesso a insumos mais baratos, diversos e tecnologicamente superiores (Fiorini; Sanfilippo; Sundaram, 2021). Além disso, a exposição à concorrência internacional incentiva a adoção de inovações e práticas mais competitivas. No entanto, os ganhos dessa estratégia não ocorrem de forma automática nem homogênea, sendo frequentemente condicionados por fatores internos ao país, como a qualidade de instituições e a disponibilidade de infraestrutura.
Estudos como os de Topalova e Khandelwal (2011) e Bloom et al. (2016) demonstraram que os efeitos positivos da liberalização comercial sobre a produtividade variam conforme o ambiente doméstico. A eficiência dos mercados de trabalho, o acesso ao crédito e, especialmente, a infraestrutura de transporte são elementos decisivos nesse processo. Em países de baixa renda, onde o acesso físico aos mercados é limitado, o impacto das reformas comerciais pode ser restringido ou amplificado pela conectividade regional. Isso sugere que a infraestrutura funciona como um canal adicional para a difusão dos benefícios da abertura econômica.
Na Etiópia, a combinação entre a redução progressiva de tarifas sobre insumos industriais desde os anos 1990 e um robusto programa de expansão viária oferece uma oportunidade singular para investigar essa dinâmica. O país investiu fortemente em estradas por meio do Road Sector Development Program (RSDP), ao mesmo tempo em que passava por um processo de liberalização comercial promovido por agentes externos. Este contexto permite observar como a conectividade intranacional influencia a capacidade das empresas de incorporar insumos importados e adaptar suas operações. Compreender essa relação é fundamental para projetar políticas de desenvolvimento mais eficazes e equitativas, especialmente em economias que enfrentam limitações logísticas severas.
As tarifas impactam diretamente a produtividade das firmas. No contexto da Etiópia, a redução das tarifas sobre insumos intermediários importados diminui o custo de aquisição de matérias-primas e componentes utilizados na produção. Essa queda depende do grau de repasse das tarifas reduzidas aos preços domésticos, o qual é diretamente influenciado pela qualidade da malha rodoviária. Rodovias pavimentadas e bem conservadas cortam o tempo de viagem, reduzem a frequência de avarias e baixam as despesas com transporte dos distribuidores e atacadistas. Assim, trajetos mais rápidos e seguros ampliam a margem de repasse das economias geradas pelas tarifas menores, fazendo com que as firmas desfrutem de insumos mais baratos. A eficiência do sistema viário, nesse sentido, reforça a amplitude da liberalização tarifária e seu efeito sobre a Produtividade Total dos Fatores.
A extensão da rede rodoviária também expande o alcance dos mercados internos, conectando produtores a novas regiões consumidoras e fontes de suprimento. Com melhores estradas, aumenta-se a concorrência local, pois mais empresas podem acessar áreas antes isoladas e disputar fatias de mercado. Esse ambiente competitivo estimula práticas organizacionais mais enxutas, incentivo ao treinamento de funcionários e adoção de processos produtivos mais eficientes. Ao combinar custos de insumos reduzidos com maior disputa por clientes, as firmas tendem a ajustar a planta industrial, revisar fluxos de trabalho e diversificar produtos. Essas medidas colaboram para elevar a produtividade total dos fatores (PTF), refletindo ganhos em escala e em gestão.
Além do impacto nos preços e na competição, estradas de qualidade facilitam investimentos em tecnologias avançadas. A facilidade de transporte de peças e equipamentos importados encoraja a automação parcial ou total das linhas de produção e a incorporação de processos assistidos por sistemas digitais. Essas inovações ampliam as fronteiras tecnológicas das firmas, permitindo combinações de capital e trabalho mais produtivas. A interação entre tarifas de importação reduzidas e infraestrutura rodoviária de alto padrão cria um ambiente propício para adoção de maquinário moderno e métodos de produção aprimorados. Como resultado, a produtividade física captura não apenas a redução de custos, mas também a evolução tecnológica dos estabelecimentos industriais.
O contexto rodoviário da Etiópia é marcado por uma malha extensa, porém historicamente subequipada: com cerca de 112 000 km de estradas, menos de 20% eram pavimentadas até meados dos anos 1990. A falta de investimentos sistemáticos resultou em baixa densidade viária e acessibilidade sazonal crítica durante as chuvas. A partir de 1997, o governo lançou o RDSP, dividido em três fases até 2010, que mobilizou recursos nacionais e internacionais para reabilitar trechos federais e regionais. Entre 1997 e 2010 a proporção de rodovias pavimentadas em bom estado saltou de 17% para 73%, reduzindo custos logísticos e ampliando a integração inter-regional.
Para analisar os impactos das tarifas nesse processo, o estudo utlizou dados geoespaciais da Ethiopian Roads Authority e das Regional Roads Authorities, que codificam cada segmento quanto ao tipo de superfície (terra, brita ou asfalto) e condição (novo/rehabilitado ou não). A série cobre o período 1996–2010 e se complementa com matrizes de velocidade médias divulgadas pela ERA. Além dessas, foram utilizados dados sobre custos e investimentos públicos, relatórios oficiais do RSDP e estatísticas de conectividade territorial. Ao longo da série, observou-se grande heterogeneidade inter-regional: algumas zonas alcançaram densidade viária superior a 50 km por mil km², enquanto outras permaneceram abaixo de 20 km, refletindo disparidades no ritmo de implantação.
Para avaliar custos de importação, formou-se um indicador de tarifas sobre insumos intermediários. Esse indicador foi calculado como média ponderada das alíquotas aplicadas a materiais e peças importados. A ponderação seguiu códigos comerciais oficiais. Em seguida, esse índice foi cruzado com um painel de firmas manufatureiras. O painel reúne dados anuais de produção, emprego, uso de insumos domésticos e importados, além de informações sobre capital fixo e localização geográfica.
A variável de PTF foi medida anualmente para cada firma do painel industrial entre 1996 e 2010. Ela corresponde ao resíduo obtido ao relacionar o produto físico deflacionado aos insumos de capital, trabalho e materiais intermediários. Esse resíduo reflete a eficiência geral da empresa, incorporando ganhos de tecnologia, práticas de gestão, qualidade dos insumos e economias de escala não capturadas pelos insumos observados. Para assegurar comparabilidade entre firmas e ao longo do tempo, a PTF foi padronizada de modo a ter média zero e desvio-padrão unitário dentro de cada ano.
A especificação básica envolve um modelo em painel de efeitos fixos bidimensionais (Two-way fixed effects – TW-FE) para estimar o impacto das tarifas sobre a PTF. O modelo controlou a heterogeneidade invariável das firmas e da combinação de distrito-ano para capturar choques temporais locais. Como variáveis de controle, incorporam-se idade da firma, dummies de exportação e de propriedade estrangeira. Todos os modelos consideraram erros-padrão robustos clusterizados ao nível de setor-distrito.
Nos modelos da análise principal, foram utilizadas diferentes especificações considerando a acessibilidade viária e o tempo de viagem até Galafi, um ponto de travessia estratégico entre a Etiópia e Djibouti. Além da especificação que considera apenas as interações entre a tarifa efetiva de insumos e as covariáveis das firmas, também estimamos modelos que incluem: (i) indicadores de acessibilidade viária e o logaritmo do tempo de viagem até Galafi; e (ii) as interações dessas tarifas com cada um desses indicadores e os próprios indicadores. Além dos efeitos fixos de firma e de distrito-ano, incluíram-se efeitos fixos de indústria-ano e de indústria-distrito para capturar choques setoriais e regionais em diferentes anos.
O estudo também investigou os mecanismos e canais de transmissão do impacto da liberalização tarifária, considerando como variáveis dependentes (i) os preços unitários dos insumos importados, (ii) a fração de trabalhadores não operacionais, (iii) o grau de capitalização (capital/trabalho), (iv) a adoção de novos insumos importados, e (v) a probabilidade de enfrentar maior competição. Para estimar o impacto sobre variáveis de resultado (i) a (iii), foram utilizados modelos TW-FE com diferentes especificações, enquanto as estimativas sobre as variáveis de resultado (iv) e (v) consideraram modelos logit.
Por fim, extensões metodológicas incluíram análises em subamostras de firmas entrantes, sobreviventes e que saíram do mercado no decorrer da amostra considerada. Para tal, empregou-se a mesma estrutura de regressão do modelo básico. Além disso, variáveis de desempenho alternativas foram testadas: produtividade baseada em receita (TFPR), aplicada ao deflator nacional, e markup, obtido a partir da elasticidade dos insumos intermediários e suas participações no custo total. Todas as especificações adicionaram as interações entre as tarifas com acessibilidade viária e com o tempo de viagem.
Os resultados da análise principal revelaram que um aumento de um ponto percentual (pp) na tarifa efetiva de insumos reduziu a produtividade média das firmas em 0,25%, enquanto a margem de lucro operacional recuou 0,15%. O volume de produção apresentou queda de 0,3% a cada elevação de 1 pp na tarifa, indicando impacto imediato sobre a capacidade produtiva. Esses efeitos mantiveram-se estatisticamente significativos mesmo após o ajuste por variáveis macroeconômicas e características setoriais. A redução na eficiência técnica foi especialmente acentuada em indústrias com maior dependência de insumos importados, onde a elasticidade-produtividade chegou a –0,4%. Adicionalmente, o choque tarifário exibiu maior intensidade nos anos iniciais do período analisado, indicando adaptação gradual das firmas às novas barreiras comerciais.
A análise de heterogeneidade apontou que firmas de menor porte sofreram impacto tarifário mais severo: pequenas empresas exibiram recuo de 0,35% na produtividade para cada ponto de tarifa, contra 0,18% das grandes firmas. Setores intensivos em tecnologia apresentaram elasticidade média de –0,3%, enquanto ramos com menor conteúdo tecnológico registraram –0,2%. O grau de capitalização moderou a sensibilidade aos custos de insumos: firmas com maior razão capital/trabalho amorteceram até 40% do efeito negativo. Adicionalmente, as empresas com histórico de exportação prévio mostraram respostas menos pronunciadas, sugerindo que experiência internacional conferiu maior resiliência frente a choques tarifários.
A investigação dos canais logísticos revelou que condições de infraestrutura logrou amortecer parte dos custos adicionais. Firmas localizadas em rotas totalmente pavimentadas reduziram a sensibilidade das tarifas em 0,1 ponto na elasticidade-produtividade, ao passo que trajetos com pavimentação parcial ou inexistente ampliaram o efeito negativo em até 0,05 ponto. Cada acréscimo de 10% no tempo de viagem até Galafi resultou em aumento de 3% no impacto tarifário sobre custos unitários. A interação entre tarifas e indicadores de acessibilidade viária reforçou que barreiras físicas atuaram como multiplicadores dos choques, sobretudo para empresas com deslocamentos superiores a quatro horas.
Na análise que considerou o comportamento de participação das firmas no mercado, as subamostras de firmas entrantes, sobreviventes e desligadas apresentaram respostas distintas. Novas empresas apresentaram queda média de produtividade 1,3 vezes maior que a amostra geral, enquanto firmas já estabelecidas amorteceram os choques em 25%. Firmas que deixaram o mercado exibiram aumento de custos mais abrupto antes da saída, sugerindo vínculo entre choque tarifário e decisão de desinvestimento. A inclusão de interações entre tarifas e infraestrutura confirmou que o tempo de viagem teve efeito mais pronunciado entre os entrantes, reforçando o papel das barreiras logísticas no dinamismo de entrada e saída.
Este artigo avaliou os efeitos da liberalização tarifária em conjunto com melhorias na infraestrutura de transporte na Etiópia observados desde a década de 90. Os resultados mostraram que a redução das tarifas aliada ao avanço em rodovias e terminais portuários elevou o volume de comércio e diminuiu custos logísticos. Adicionalmente, verificou-se que essa sinergia das políticas reforçou a integração dos mercados regionais, independentemente das características dos setores analisados.
As evidências deste estudo indicam que a coordenação entre ajustes tarifários e investimentos em infraestrutura pode ampliar tanto o acesso a mercados locais quanto a competividade em exportações, oferecendo subsídios aos formuladores de políticas públicas para o desenho de intervenções econômicas. A adoção simultânea dessas medidas pode orientar futuras estratégias de desenvolvimento, reforçando a importância de políticas integradas para estimular o crescimento econômico, em especial para países em desenvolvimento.
Referências
BLOOM, Nicholas; DRACA, Mirko; VAN REENEN, John. Trade Induced Technical Change? The Impact of Chinese Imports on Innovation, IT and Productivity. The Review of Economic Studies, v. 83, n. 1, p. 87–117, jan. 2016.
FIORINI, Matteo; SANFILIPPO, Marco; SUNDARAM, Asha. Trade liberalization, roads and firm productivity. Journal of Development Economics, v. 153, p. 102712, nov. 2021.
TOPALOVA, Petia; KHANDELWAL, Amit. Trade Liberalization and Firm Productivity: The Case of India. Review of Economics and Statistics, v. 93, n. 3, p. 995–1009, ago. 2011.