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ECONOMIA E GESTÃO.

PROGRAMAS DE EMPODERAMENTO DE JOVENS PODEM CONTRIBUIR PARA A REDUÇÃO DA VIOLÊNCIA DURANTE PERÍODOS DE CRISE?

01 ago 2025

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Título original: Can youth empowerment programs reduce violence against girls during the COVID-19 pandemic?

Autores: Selim Gulesci, Manuela Puente-Beccar e Diego Ubfal

Localização da Intervenção: Bolívia

Tamanho da Amostra: 600 adolescentes

Setor: Políticas Públicas                  

Variável de Interesse Principal: Violência

Tipo de Intervenção: Programa de treinamento

Metodologia: RCT

Resumo

A pandemia de COVID-19 intensificou os fatores de risco associados à violência doméstica, especialmente contra mulheres e crianças. Este estudo analisou o impacto de um programa de empoderamento juvenil na Bolívia durante o período de confinamento da pandemia. Utilizando um experimento controlado randomizado com 600 adolescentes vulneráveis, o estudo avaliou os efeitos do programa, que ofereceu treinamento em habilidades sociais e técnicas, educação sexual, mentoria e assistência na busca de emprego. Os resultados indicaram que, sete meses após a conclusão do programa, houve um aumento nos rendimentos das meninas e uma redução na violência contra elas. Essas evidências indicam que programas multifacetados de empoderamento podem reduzir a violência vivenciada por jovens mulheres durante períodos de alto risco.

  1. Problema de Política

A pandemia de COVID-19 trouxe consigo uma série de medidas de contenção rigorosas que aumentaram os fatores de risco associados à violência doméstica. Relatórios da mídia e de instituições indicaram um aumento da violência doméstica, especialmente contra mulheres e crianças, em países afetados pela pandemia (Gulesci; Puente–Beccar; Ubfal, 2021). Esse fenômeno foi observado em diversos eventos e países nos últimos anos, destacando a necessidade de compreender melhor os fatores que contribuem para essa violência.

Pesquisas mostraram que crises econômicas, conflitos e desastres naturais frequentemente estão associados a um aumento na prevalência de violência contra mulheres e crianças. O estudo recente de Ravindran e Shah (2023) destaca que distritos com medidas de confinamento mais restritivas apresentaram maiores denúncias de violência doméstica na Índia. Em sentido similar, no trabalho de Bandiera et al. (2020) verificou-se um aumento na gravidez na adolescência e uma redução na matrícula escolar entre meninas em Serra Leoa durante o fechamento de escolas ocorrido durante a epidemia de Ebola de 2014-16. O trabalho também observou que programas de treinamento reduziram tais impactos negativos, revelando o potencial de políticas similares na mitigação de impactos negativos oriundos do confinamento social para jovens vulneráveis.

Esses estudos ressaltam a importância de intervenções que possam reduzir a violência durante períodos de alto risco. Nesse sentido, este estudo avaliou o impacto de um programa de empoderamento juvenil na prevalência de violência contra jovens durante o lockdown da pandemia de COVID-19 na Bolívia. O programa combinou treinamento em habilidades sociais e técnicas, educação sexual, mentoria e assistência na busca de emprego. A compreensão desse problema é fundamental, pois pode fornecer subsídios valiosos para formuladores de políticas sobre como programas multifacetados podem reduzir efeitos adversos em períodos de crise.

  1. Contexto de Implementação da Política

O programa "Adolescentes: Protagonistas do Desenvolvimento" foi implementado pela ONG Save the Children em vários países desde 2016. O programa tem o objetivo de ajudar jovens vulneráveis a encontrar emprego, melhorar suas condições de trabalho e fortalecer sua capacidade de geração de renda. O público-alvo do programa consiste em adolescentes vulneráveis de 15 a 18 anos. Em sua implementação na Bolívia, os adolescentes foram recrutados em quatro cidades, utilizando diversas estratégias de recrutamento.

O programa ofereceu aos jovens treinamento em habilidades pessoais e técnicas, educação sexual, mentoria e apoio na busca de emprego ou no desenvolvimento de negócios. As atividades incluíram módulos de treinamento geral, como empoderamento pessoal, saúde sexual e reprodutiva, empoderamento econômico e competências básicas, além de treinamento em habilidades técnicas específicas conforme a demanda do mercado. Após o treinamento geral, os participantes puderam escolher até três cursos de treinamento técnico, com duração total de aproximadamente 70 horas.

O projeto também ajudou os adolescentes a encontrarem entrevistas com empregadores que ofereciam empregos compatíveis com o nível de habilidade dos jovens e que atendiam a certos padrões, como serem compatíveis com a escolaridade, não envolverem atividades de risco e oferecerem um salário não inferior ao salário mínimo. Além disso, o programa ofereceu aos adolescentes que não desejavam encontrar um emprego a oportunidade de iniciar seu próprio negócio, embora isso tenha ocorrido apenas com um adolescente na amostra.

  1. Detalhes da Avaliação

O estudo foi realizado utilizando um RCT para avaliar os efeitos de um programa de empoderamento juvenil em quatro cidades da Bolívia. A seleção da amostra envolveu 600 jovens vulneráveis, que foram recrutados através de diversas estratégias, como panfletos em mercados e outros locais públicos, anúncios no Facebook, cooperação com associações de bairro e escolas que oferecem turnos noturnos, além de conferências de imprensa

 O experimento cobriu quatro cidades metropolitanas na Bolívia: Cochabamba, La Paz, Oruro e Santa Cruz. Após a seleção, os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos: um grupo de tratamento, que participou do programa, e um grupo de controle, que teve a oportunidade de participar após a avaliação. A amostra final consistiu em 511 adolescentes que completaram tanto a pesquisa inicial quanto a pesquisa de acompanhamento.

A pesquisa inicial foi realizada presencialmente, enquanto a pesquisa de acompanhamento foi conduzida por telefone devido às restrições de mobilidade impostas pela pandemia de COVID-19. Os dados coletados compreenderam informações sobre região, gênero, idade, situação de trabalho, experiência de violência, renda e habilidades sociais. As amostras foram estratificadas considerando boa parte dessas informações.

A coleta de dados considerou relatos de violência física, psicológica e sexual. Adicionalmente, as informações sobre os rendimentos contemplavam diversas fontes, incluindo emprego formal, trabalho autônomo, transferências informais de familiares ou amigos e transferências formais de governos ou ONGs. As habilidades sociais e de comunicação foram medidas utilizando a ferramenta “Employability Assessment (EA)” desenvolvida pela ONG Save the Children, que avalia seis categorias de habilidades.

As características da amostra revelaram que 63% dos jovens eram meninas e que a maioria tinha entre 17 e 18 anos. O experimento revelou que mais da metade dos jovens da amostra relataram ter sofrido algum tipo de violência. A violência física e psicológica foi mais prevalente entre os meninos, enquanto a violência sexual foi mais comum entre as meninas. Além disso, os jovens tinham rendimentos mensais baixos, com uma média de Bs. 441 (U$ 64) para os meninos e Bs. 406 (U$ 59) para as meninas.

  1. Método

Para estimar os efeitos do tratamento do programa, utilizou-se o método de mínimos quadrados ordinários (OLS). Além da variável identificadora do tratamento, os modelos consideraram o nível basal da variável de resultado para cada indivíduo, o gênero e as variáveis de estratificação da randomização do experimento. Antes da realização das estimativas, os autores confirmaram que as características entre os jovens de ambos os grupos tratados e controles eram estatisticamente iguais antes do tratamento, validando o RCT conduzido.

As principais variáveis de resultado analisadas foram três: violência relatada nos três meses anteriores à pesquisa, renda mensal no mês anterior à pesquisa e habilidades socioemocionais. As análises foram ajustadas para levar em conta a estratificação na randomização e possíveis fatores de confusão. Para medir os efeitos do programa na prevalência de violência, a pesquisa de acompanhamento incluiu perguntas diretas sobre violência física, psicológica e sexual, além de um experimento de lista para abordar possíveis vieses de autorrelato.

A exploração dos possíveis mecanismos pelos quais o programa pode ter reduzido a violência considerou vários canais, incluindo o aumento da renda das meninas, que pode ter melhorado suas opções fora do lar e seu empoderamento econômico, e a redução do estresse relacionado à insegurança econômica. Além disso, foram discutidos outros mecanismos potenciais, como a melhoria das habilidades socioemocionais e o aumento do capital social.

  1. Principais Resultados

Os resultados revelaram que o programa de empoderamento juvenil teve efeitos significativos na redução da violência contra meninas durante o período de lockdown. As participantes do grupo de tratamento relataram uma diminuição de 9,5 pontos percentuais (pp) na prevalência de violência, o que representou uma redução de 46% em comparação com o grupo de controle. A violência física, psicológica e sexual também diminuiu entre as meninas do grupo de tratamento, com reduções de aproximadamente 3, 10 e 3 pp, respectivamente.

Os resultados do experimento de lista confirmaram que a violência física foi significativamente menor entre as meninas do grupo de tratamento em comparação com o grupo de controle. A taxa de violência física foi 35 pp menor para as meninas tratadas, embora não significativo. Para os meninos, não houve redução significativa na violência, e até mesmo um aumento marginal na violência psicológica foi observado.

Em termos de renda, o programa aumentou o ganho mensal (último mês) das meninas em Bs. 119, o que representa um aumento de 41% em relação ao grupo de controle. Ao desagregar as fontes de renda, observou-se que as meninas tratadas foram menos propensas a relatar ganhos de trabalho assalariado. No entanto, os efeitos positivos nas demais fontes de renda não foram significativos, com um aumento marginal na renda de trabalho autônomo e transferências formais.

Por fim, as habilidades sociais não apresentaram mudanças significativas para as meninas, exceto por uma melhora nas habilidades de busca de emprego. Para os meninos, houve um aumento na confiança, mas isso não se traduziu em melhorias nas habilidades sociais. A falta de mudanças nas habilidades sociais sugere que outros fatores, como o aumento da renda, podem ter sido mais influentes na redução da violência contra as meninas.

  1. Lições de Política Pública

Neste artigo, os autores conduziram um RCT para avaliar os efeitos de um programa de empoderamento juvenil na Bolívia durante o período de lockdown da pandemia COVID-19, no qual foi oferecido um conjunto de cursos de habilidades interpessoais (soft skills) e técnicos. Os resultados indicaram que o programa reduziu significativamente a violência contra meninas e aumentou os ganhos mensais das participantes. Além disso, não foram observadas mudanças significativas nas habilidades sociais dos jovens após a participação no programa.

As evidências deste artigo ajudam a identificar fatores que podem reduzir a violência contra meninas em períodos de alto risco, como a pandemia. Os resultados fornecem informações úteis para os formuladores de políticas públicas, destacando a importância de programas multifacetados de empoderamento juvenil. Os autores ressaltam que a implementação de tais programas pode ser uma estratégia eficaz para mitigar a violência e melhorar as condições econômicas das jovens em situações de vulnerabilidade.

Referências

BANDIERA, Oriana et al. Do School Closures During an Epidemic have Persistent E¤ects? Evidence from Sierra Leone in the Time of Ebola. Working Paper, UCL, jul. 2020.

GULESCI, Selim; PUENTE–BECCAR, Manuela; UBFAL, Diego. Can youth empowerment programs reduce violence against girls during the COVID-19 pandemic? Journal of Development Economics, v. 153, p. 102716, nov. 2021.

RAVINDRAN, Saravana; SHAH, Manisha. Unintended consequences of lockdowns, COVID-19 and the Shadow Pandemic in India. Nature Human Behaviour, v. 7, n. 3, p. 323–331, 19 jan. 2023.