Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Autores: Luis R. Díaz Pavez e Inmaculada Martínez-Zarzoso
Título original: The impact of automation on labour market outcomes in emerging countries
Localização da Intervenção: Países em desenvolvimento
Tamanho da Amostra: 1.105 setores-país-ano
Setor: Economia do Trabalho
Variável de Interesse Principal: Emprego
Tipo de Intervenção: Automação do trabalho
Metodologia: IV-FE, FE
Resumo
A automação é apontada como um fator transformador dos mercados de trabalho, tendo o potencial para alterar a forma de execução das tarefas e a distribuição do valor agregado. A intensificação da adoção de tecnologias, tanto por meio de robôs locais quanto de robôs estrangeiros, ocorreu em um contexto de reestruturação produtiva observado em países emergentes nos últimos anos. Para avaliar os impactos desse processo, este estudo utilizou uma metodologia de variáveis instrumentais (IV) para analisar 16 setores de 10 países emergentes entre 2008 e 2014. Os resultados revelaram que a exposição a robôs estrangeiros afetou negativamente o emprego e a fração do valor agregado atribuída ao trabalho, enquanto os efeitos decorrentes dos robôs locais variaram de acordo com o segmento. Adicionalmente, identificou-se a presença de spillovers intersetoriais que ajustaram os indicadores laborais.
Impulsionada pela crescente adoção de tecnologias avançadas, a automação tem alterado significativamente a forma de organizar as atividades laborais (Díaz Pavez; Martínez‐Zarzoso, 2024). Essa mudança permite que dispositivos e sistemas substituam funções repetitivas, impactando diretamente a estrutura dos postos de trabalho e modificando os requisitos de qualificação dos trabalhadores. A transformação dos processos produtivos por meio de tecnologias automatizadas gera alterações no cotidiano das organizações, abrindo espaço para debates sobre a redistribuição das funções operacionais e a adaptação dos perfis profissionais.
Nos últimos anos, a implementação de soluções automatizadas intensificou-se em meio a períodos de instabilidade econômica e reestruturação dos setores produtivos. O avanço acelerado dessas tecnologias, especialmente em ambientes industriais, evidenciou uma transformação rápida na forma de execução das atividades, com o uso de robôs e sistemas inteligentes cada vez mais difundidos. Essa evolução tem levado à substituição de tarefas simples e rotineiras, impulsionando uma reorganização interna nas empresas e modificando a demanda por determinadas competências.
Em países em desenvolvimento, o processo de automação apresenta características variadas conforme a estrutura econômica local. Observa-se que, em determinados setores, a adoção de tecnologias automatizadas resulta na redução de atividades tradicionalmente desempenhadas por humanos, enquanto em outros há uma reconfiguração dos métodos de produção. Esse cenário evidencia que os impactos da automação se manifestam de forma diferenciada, reforçando a necessidade de compreender as consequências desse processo para ajustar estratégias produtivas e promover uma adaptação mais efetiva nos mercados desses países.
A literatura indica que os efeitos da automação no mercado de trabalho dependem da origem da tecnologia (Díaz Pavez; Martínez‐Zarzoso, 2024). Em relação à adoção de robôs locais, as evidências apontam que, embora a substituição de tarefas rotineiras seja observada, os ganhos em produtividade podem equilibrar a redução de postos, resultando em impactos menos acentuados no emprego (Acemoglu; Restrepo, 2019). Por sua vez, quando se trata da exposição a robôs estrangeiros, a implementação de tecnologias de países com maior intensidade automatizada tende a estar associada a reduções mais notáveis na demanda por trabalho, especialmente em setores com atividades padronizadas.
Além das alterações diretas na oferta de trabalho, a adoção de sistema automatizados pode afetar outros indicadores do mercado, como os níveis salariais e a fração de trabalho. Em ambientes onde há maior exposição a robôs importados, as pressões competitivas entre setores podem provocar ajustes não somente no emprego, mas também nas remunerações praticadas.
Em contraste, a implementação de tecnologia proveniente de fontes locais costuma estar associada a mudanças mais discretas nessas variáveis secundárias. Assim, a automação atua podem variar de acordo com a origem dos robôs e os contextos produtivos analisados.
O estudo considerou duas bases principais, oriundos da World Input-Output (WIOD) e da International Federation of Robotics (IFR). A WIOD fornece dados estruturados sobre indicadores econômicos setoriais, como emprego, salários, capital e valor agregado, permitindo a análise das relações produtivas e intersetoriais. Já a IFR disponibiliza informações sobre o estoque de robôs industriais, que serve de base para mensurar o grau de automação nos processos produtivos. A integração dessas informações possibilita examinar as transformações tecnológicas e suas implicações na organização econômica dos países emergentes.
As variáveis consideradas incluíram o emprego, medido pelo número total de trabalhadores, o salário nominal por trabalhador, o estoque e o retorno de capital, além da fração de trabalho, que indica a participação do trabalho no valor agregado. Foram também elaborados indicadores específicos de automação, como o número de robôs locais por mil trabalhadores e um índice de exposição a robôs estrangeiros, que permitem identificar nuances na transformação dos processos produtivos.
Os dados WIOD entre 2004 e 2014 demonstram que, enquanto os países desenvolvidos apresentaram níveis elevados de automação desde os primeiros anos analisados, as economias emergentes iniciaram com quase nenhuma presença de robôs, alcançando valores expressivos somente com o passar do tempo. A fração de trabalho nos países emergentes permaneceu consistentemente inferior à dos países desenvolvidos, indicando uma distribuição do valor agregado que favorece o capital. Ao final do período analisado, os países em desenvolvimento ainda apresentavam menos de 500 mil robôs e uma fração de trabalho em torno de 0,47, ao passo que, nos países desenvolvidos, esses indicadores se aproximavam de 2 milhões de robôs e 0,57 de fração de trabalho, respectivamente.
Em sentido similar, os dados provenientes da IFR indicaram que o estoque de robôs nos países emergentes cresceu de forma consistente entre 2008 e 2014. Essa trajetória ascendente demonstra o início tardio na incorporação dessas tecnologias nessas economias, em contraste com os níveis elevados registrados nos países desenvolvidos, evidenciando variações no ritmo de adoção entre os diferentes países.
A integração dos dados da WIOD e da IFR também permitiu mensurar um índice de exposição a robôs estrangeiros, calculado a partir dos fluxos bilaterais de insumos intermediários. Esse indicador revelou que, durante o mesmo período, alguns setores e países emergentes apresentam níveis elevados de exposição, especialmente em segmentos ligados à produção automotiva, eletrônica e metalúrgica, enquanto outros registram índices inferiores. Tais padrões evidenciam diferenças na penetração de tecnologias importadas e ressaltam a variabilidade na organização dos processos produtivos nas economias analisadas.
Para analisar o impacto do processo de automação no mercado de trabalho em países em desenvolvimento, definiu-se um modelo com base em uma especificação da função de produção que relacionou emprego, salário, capital e valor agregado. Essa abordagem integrou fatores tecnológicos ao considerar a incorporação de automação no processo produtivo. A metodologia empregou a estimação de variáveis instrumentais (IV) para lidar com o problema de endogeneidade dos indicadores de automação.
Os instrumentos foram escolhidos a partir de dados que refletiram a variação exógena em países com segmentos produtivos semelhantes, representando a variação dos estoques de robôs em países com estruturas de produção comparáveis e que funcionaram como proxy para a adoção robótica em cada país emergente. Os modelos consideraram a estrutura de painel setorial, incluindo efeitos fixos (FE) que controlaram as diferenças não observadas entre países e setores, além de choques anuais. As análises abrangeram 16 setores em 10 países emergentes, com dados registrados entre 2008 e 2014.
Na análise principal do estudo, foram considerados modelos de FE e IV-FE. Com relação às variáveis de resultado, estimou-se os efeitos da automação sobre: (i) emprego, (ii) salário nominal por trabalhador, e (iii) fração do valor agregado direcionada ao trabalho. Para controlar o contexto produtivo nos modelos estimados, foram incorporados como covariáveis como o valor agregado, o índice de inshoring e medidas relativas ao capital, entre outros.
O estudo também explorou especificações que investigaram efeitos indiretos e interações entre setores. Essas análises mantiveram a estratégia FE e IV-FE e os controles presentes na análise principal, mas incorporaram variáveis de spillover, que mensuraram o impacto da adoção robótica em outros segmentos produtivos (efeito de transbordamento). As especificações adicionais integraram indicadores de exposição a tecnologias estrangeiras e o estoque de robôs locais em níveis agregados. Além disso, os autores estimaram um modelo considerando os efeitos da automação separadamente sobre cada um dos setores.
Os resultados das análises principais indicaram que, tanto na estimação com FE quanto na abordagem IV-FE, a adoção de robôs locais não afetou significativamente o emprego nas amostras dos países emergentes. Em sentido oposto, a exposição a robôs estrangeiros apresentou efeito negativo e consistente sobre o número de trabalhadores, de forma que um aumento percentual nesse índice implicou em uma redução proporcional do emprego. Além disso, os modelos demonstraram que as variáveis referentes ao salário nominal por trabalhador e à fração do valor agregado direcionada ao trabalho não registraram variações estatisticamente significantes.
No conjunto de análises sobre efeitos indiretos de spillover, verificou-se que a automação em setores vizinhos resultou em um impacto negativo residual sobre o emprego e sobre os salários nominais. Esse efeito evidenciou pressões competitivas que ocasionaram reduções na oferta de postos e ajustes salariais, embora com baixa magnitude. Entretanto, a fração do valor agregado atribuída ao trabalho permaneceu estável, não apresentando alterações significativas em resposta aos efeitos indiretos identificados.
Com relação à análise setorial, observou-se que os impactos dos robôs estrangeiros sobre o emprego foram negativos e mais acentuados nos setores com maior exposição à automação de fora, os quais também apresentaram redução na fração atribuída ao trabalho. Por sua vez, os efeitos dos robôs locais variaram conforme o segmento, havendo casos em que se associaram a aumentos no emprego e, em outros, a quedas. Essas evidências indicam que os mecanismos de impacto da automação se apresentaram de forma diferenciada entre os setores analisados.
Neste artigo, o estudo analisou como a automação influenciou os mercados de trabalho em países emergentes, considerando a adoção de robôs locais e a exposição a robôs estrangeiros. Os resultados indicaram que a implementação de tecnologias automatizadas por meio de robôs importados apresentou efeito negativo sobre o emprego e a participação do trabalho no valor agregado, enquanto os efeitos dos robôs locais variaram conforme o contexto setorial. Além disso, a análise identificou a presença de efeitos indiretos decorrentes da interação entre setores, reforçando as variações nos resultados laborais.
As evidências encontradas neste estudo permitiram compreender os mecanismos que interligaram os processos produtivos às transformações tecnológicas, fornecendo subsídios para a identificação de padrões diferenciados por setor. Essa configuração dos resultados ajuda a orientar a formulação de políticas públicas que busquem ajustar os processos produtivos aos desafios impostos pela automação, subsidiando a definição de estratégias que mitiguem os impactos decorrentes da convergência entre tecnologias locais e estrangeiras.
Referências
ACEMOGLU, Daron; RESTREPO, Pascual. Automation and New Tasks: How Technology Displaces and Reinstates Labor. Journal of Economic Perspectives, v. 33, n. 2, p. 3–30, 1 maio 2019.
DÍAZ PAVEZ, Luis R.; MARTÍNEZ‐ZARZOSO, Inmaculada. The impact of automation on labour market outcomes in emerging countries. The World Economy, v. 47, n. 1, p. 298–331, jan. 2024.