21
2020
Professor do IDP é um dos autores da ação que julgou inconstitucional a restrição de doação de sangue por homens gays
Neste mês, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucionais dispositivos de normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que excluíam, do rol de habilitados para doação de sangue, homens que tiveram, nos últimos 12 meses, relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes.
O professor do IDP, Rafael Carneiro, foi um dos autores da ação. Nós conversamos com ele para saber sobre a experiência com o caso e sobre os reflexos desse resultado para o Brasil. Confira a entrevista abaixo.
- Por que as normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) eram inconstitucionais?
Porque elas tratavam as pessoas a partir de “grupo de risco”, um conceito discriminatório e preconceituoso. As normas impediam que indivíduos doassem sangue em função da orientação sexual, e não em relação a condutas de risco individuais – estas sim devem pautar se há ou não risco. O tratamento como “grupo de risco”, a partir da orientação sexual, é discriminatório e preconceituoso, portanto, inconstitucional.
- Como se deu todo o processo?
A ideia de entrar com a ação surgiu, no ano de 2016, quando um estagiário do escritório me noticiou a existência dessa regra. A gente já tinha ouvido falar, não era uma regra nova, mas eu nunca tinha me deparado com a necessidade de estudar o caso e de me aprofundar no exame disso.
Quando eu fui estudar, vi que vários países também já tiveram regras similares, mas que acabaram com elas. Por exemplo: Argentina, Chile, Portugal, Espanha e África do Sul. Eles as eliminaram, exatamente, porque perceberam que eram discriminatórias.
Essas regras surgiram na década de 80, quando havia um desconhecimento científico sobre as motivações do HIV, vinculando a AIDS a determinados grupos. Isso, com o passar do tempo, foi se mostrando discriminatório, e vários países acabaram com essas regras.
O Brasil não. Então, quando eu tive a possibilidade de estudar a fundo, em 2016, decidi ingressar com uma ação, junto ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), que foi o autor. O julgamento foi iniciado e interrompido em 2017, com o pedido de vista. Voltou e concluiu-se agora em 2020.
- Como foi, para você, ser um dos autores da ação?
É uma honra e uma grande alegria poder ter participado, subscrito e feito a sustentação oral no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma ação muito relevante que discute Direitos Fundamentais, o Princípio da Igualdade e que combate preconceitos. Esse julgamento marca a história do STF e desagua solidariedade e alegria, em tempos de pandemia.
- É hora de comemorar ou você percebe que ainda há mais a ser feito nessa área?
O que eu percebo é que a Academia e a Universidade precisam estar mais próximas da realidade, da vida cotidiana. São inúmeras as normas que precisam ser rediscutidas e aprofundadas. É preciso comemorar sim, uma vitória histórica, mas é necessário estar sempre atento para reduzir, ainda mais, as desigualdades e discriminações.
- Quais são os reflexos desse resultado para o Brasil?
O Brasil vem se mostrando, no plano Internacional, exemplo de precariedade de gestão pública e de dificuldade na solução dos problemas com a pandemia. Esse resultado, no entanto, dá uma amostra clara e positiva do nosso poder judiciário e do STF. Demonstrando, ao mundo, a necessidade de respeito, em relação às minorias, e de solidariedade em tempos tão difíceis.