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A privatização do setor de saneamento básico pode ajudar a combater a mortalidade infantil?

31 ago 2020

Pesquisador responsável: Silvio da Rosa Paula

Título do artigo:  WATER FOR LIFE: THE IMPACT OF THE PRIVATIZATION OF WATER SERVICES ON CHILD MORTALITY

Autores do artigo: Sebastian Galiani; Paul Gertler; Ernesto Schargrodsky

Localização da intervenção: Argentina

Tamanho da amostra:  165.542 mortes de crianças que ocorreram de 1990 a 1999

Grande tema:  Política Econômica e Governança

Variável de interesse principal: Mortalidade infantil

Tipo de Intervenção:  Privatização dos serviços de água

Método de avaliação: Diferença em Diferenças

Contexto da Avaliação

No final dos anos de 1980 a argentina vivia um período de inflação crescente impulsionada principalmente pela emissão de moeda para cobrir os enormes déficits fiscais na ordem de 9% do PIB durante a década.  Em 1989 o país entrou em um período de hiperinflação e os déficits não puderam mais ser cobertos pela emissão de dinheiro e títulos da dívida, o que levou  o governo da União Cívica Radical (UCR) a renunciar  seis meses antes do final de sua administração.

Dentro desse contexto, em que a Argentina embarca em uma das maiores campanhas de privatização do mundo, sob o comando do novo governo Peronista,  lançou-se um ambicioso plano estrutural de reformas destinados a reduzir os déficits e controlar a inflação, que consistia na descentralização dos serviços de saúde e educação,  reforma da previdência, emancipação do Banco Central, desregulamentação das atividades econômicas e privatização das empresas estatais.

As privatizações tinham como objetivos reduzir o déficit orçamentário e reverter um longo período de pouco investimento em infraestrutura física que em geral se encontrava seriamente depreciada. As empresas estatais privatizadas eram principalmente grandes monopólios em setores, como: eletricidade, petróleo e gás natural, telecomunicações, transporte, serviço de correio e sistemas de água.

Detalhes da Intervenção

Historicamente na maioria dos países o fornecimento de serviços de água é prestado pelo setor público e a entrada do ente privado tem sido limitada. Contudo, há um crescente apelo pela entrada do setor privado sob regulamentação pública para o fornecimento do serviço. Dentre diversos motivos o setor privado possui a vantagem de fornecer fortes incentivos para redução de custos, aprimoramento de produtividade, onde evidências empíricas sugerem que a qualidade do serviço, a produtividade e a lucratividade aumentam significativamente após a privatização (Megginson et al, 1994; Barberis et al, 1996; Frydman et al. al, 1999; La Porta e Lopez-de-Silanes, 1999).

Ademais, o uso político das estatais e problemas como excesso de emprego, corrupção, subsídios e a falta de incentivos gerenciais, resultam em ineficiência no serviço prestado pelo setor público. Todos esses aspectos citados somados ao subinvestimento em infraestrutura e a governos endividados com escassez de recursos financeiros, fazem do setor privado uma alternativa para suprir os gargalos do setor de saneamento. Por outro lado, o medo da queda na qualidade do serviço ou a exclusão dos agregados familiares de baixa renda com o aumento dos preços, ou até mesmo as externalidades negativas geradas por empresas privadas que desconsideram os benefícios sociais em suas decisões, podendo ser genuínas quando as condições de fornecimento não são controladas por agências regulatórias.

No contexto Argentino, de 1870 a 1980, os serviços de água foram prestados pelo ente estatal Obras Sanitarias de la Nación (OSN) e várias cooperativas sem fins lucrativos. Em 1990, antes das privatizações, dois terços dos serviços de água eram prestados por estatais, enquanto o restante era prestado pelas cooperativas sem fins lucrativos. Entre 1991 e 1999, metade das companhias públicas de água passaram seu controle para o setor privado, que representava aproximadamente 28% dos municípios cobrindo quase 60% da população.

No âmbito geral das privatizações, o setor de serviços de água representava uma pequena parte da resposta do novo governo ao combate a crise, e a princípio apenas grandes estatais sob o comando federal foram concedidas a iniciativa privada. Somente após a reeleição do governo em 1995 o processo de privatização acelerou, contudo, o governo federal não pressionou governos municipais a vender suas estatais de serviços de água.  No entanto, os dados indicam que quando o governo local era peronista,  a probabilidade de privatização era maior que quando o governo local era oposição.

Detalhes da Metodologia

Para medir o efeito das privatizações sobre as taxas de mortalidade infantil nos municípios que tiveram seu sistema de abastecimento de água privatizado, foi utilizado o método de Diferença em Diferenças, que consiste na comparação antes e após as privatizações, entre os grupos tratado e controle, ou seja, entre o grupo dos municípios que  privatizaram os serviços de água e os que não privatizaram, respectivamente. Nesse método o grupo de controle tem um papel fundamental, pois é com base nele que construído o contrafactual, isto é, a estimativa de como estaria a mortalidade nos municípios que privatizaram caso eles não tivessem privatizados, como mostra a seguir o exemplo hipotético inspirado no estudo.          

Nota: Elaboração própria.

Quanto aos dados utilizados, a variável de interesse é a taxa de mortalidade infantil construída a partir de informações contidas em registros estatísticos do Ministério da Saúde da Argentina. O banco de dados inclui as 165.542 mortes de crianças que ocorreram de 1990 a 1999. Ademais, foram utilizadas informações municipais de acesso aos serviços de água, bem com características relacionadas desemprego, gastos públicos e PIB per capita.

Resultado

Os principais resultados encontrados indicam que a privatização dos serviços de água está associada a uma redução de 4,5% a 10% nas taxas de mortalidade infantil, precisamente na mortalidade de crianças menores de 5 anos de idade. Além disso, os resultados indicam que a redução nas taxas de mortalidade é maior em nas áreas mais pobres, reduzindo a mortalidade infantil em 26%.

Como robustez dos resultados encontrados, foi testado o impacto das privatizações em doenças que não estão relacionados com fornecimento de água como, por exemplo, doenças cardiovasculares ou câncer. Como esperado os resultados mostram que as privatizações só reduziram as doenças relacionadas a água, como doenças infecciosas e parasitárias que tiveram uma redução de 18,2% e doenças perinatais (mortes ocorridas durante os primeiros 28 dias de vida, independentemente da causa) redução em entorno de 11,5%.

Em suma, os resultados indicam que o aumento do acesso à rede de água e saneamento, propiciada pelas privatizações, trouxeram possíveis mudanças na qualidade do serviço, melhorando os indicadores de saúde das crianças. Existem quatros fatores principais que levam os autores a acreditar que a causa principal na redução da mortalidade está associada a privatização dos serviços de água. Primeiro, os resultados mostraram que os fatores que levaram os municípios a privatizarem não afetam as taxas de mortalidade infantil. Segundo, as tendências da mortalidade eram semelhantes antes das privatizações tanto nos municípios que privatizaram quanto nos que não privatizaram os serviços de água. Terceiro, as privatizações afetaram somente doenças relacionadas a água. Quarto,  o impacto foi maior nos municípios mais pobres, uma vez que os municípios de média e alta renda já apresentavam altas taxas de acesso à rede de água antes das privatizações.

Por fim, apesar de muitos operadores privados ignorarem as externalidades da saúde causadas pelo setor de saneamento, as evidências sugerem que as privatizações aumentaram o acesso e melhoraram a qualidade dos serviços de água. Além disso, em termos de redução da mortalidade infantil, os resultados indicam que a população mais pobre foi a que experimentou maiores ganhos com as privatizações, indo na contramão da percepção do público de que as privatizações prejudicam a população de baixa renda.

Lições de Política Pública

A água tem uma importância crucial em muitos aspectos da vida, seja ligado a saúde, bem-estar ou desenvolvimento econômico, contudo, muitos países enfrentam dificuldades de garantir o acesso a água e tratamento de esgoto principalmente para a população mais carente. A grande contribuição ao debate que o estudo “Water for Life” é que o investimento privado pode servir como alternativa para atingir as metas de desenvolvimento sustentável de universalização do acesso equitativo à água, seja por meio das privatizações, concessões ou parcerias públicas privadas, sendo um mecanismo importante para os policymakers contornar problemas de restrição orçamentária do poder público, preenchendo a lacuna existente ente provisão e demanda dos serviços básicos de saneamento, em que atinge principalmente as regiões com população de baixa renda.

Referências

GALIANI, Sebastian; GERTLER, Paul; SCHARGRODSKY, Ernesto. Water for life: The impact of the privatization of water services on child mortality. Journal of political economy, v. 113, n. 1, p. 83-120, 2005.