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O que causa a pobreza?

04 nov 2022

Pesquisadora responsável: Viviane Pires Ribeiro

Título do Paper:   Why Do People Stay Poor?

Autores:  Clare Balboni, Oriana Bandiera, Robin Burgess, Maitreesh Ghatak e Anton Heil

Localização da Intervenção: Bangladesh

Tamanho da Amostra: 23.000 famílias

Grande tema: Política Econômica e Governança

Variável de Interesse principal: Pobreza

Tipo de Intervenção: Impacto das políticas públicas no combate à pobreza

Metodologia: Diferenças em Diferenças

Acabar com a pobreza em massa é o foco central da economia e da política de desenvolvimento. Neste contexto, Balboni et al. (2022) fornece evidências da existência da armadilha da pobreza usando uma combinação de transferência aleatória de ativos de um painel de dados de 6.000 famílias na zona rural de Bangladesh, durante um período de 11 anos. A principal descoberta do estudo é que as pessoas permanecem pobres porque não têm oportunidades. Não são suas características intrínsecas que prendem as pessoas na pobreza, mas sim suas circunstâncias.

Contexto da Avaliação

Compreender o que causa a pobreza e o motivo da sua persistência é a chave para resolver o problema da pobreza em massa que motivou os primeiros contribuintes da economia do desenvolvimento e que continua motivando as gerações atuais. É também o objetivo central da política de desenvolvimento. Ou seja, o principal objetivo do Desenvolvimento Sustentável, endossado por 193 dos 195 governos do mundo, é “erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares até 2030”. Em 2015, quando essas metas foram estabelecidas, 735 milhões de pessoas (10% da população mundial) estavam classificadas como vivendo em extrema pobreza. Portanto, encontrar respostas para reduzir a pobreza exige, em última análise, entender o porquê das pessoas permanecerem pobres e projetar políticas de acordo com o contexto da população.

Há duas visões amplas sobre o porquê das pessoas permanecerem pobres. Uma enfatiza diferenças em fundamentos, como habilidade, talento ou motivação. Isto é, as pessoas na linha da pobreza têm as mesmas oportunidades que todos os outros, portanto, se trabalham em empregos de baixa remuneração, devem ter características que os tornam inadequados para outras ocupações. A visão alternativa é que os pobres enfrentam oportunidades diferentes e, portanto, fazem trabalhos de baixa remuneração, pois nasceram pobres. Ou seja, os pobres estão presos na armadilha da pobreza.

Detalhes da Intervenção

Balboni et al. (2022) testaram a existência da armadilha da pobreza usando dados coletados para avaliar o Programa de Focalização dos Ultrapobres do BRAC em Bangladesh. Os dados abrangeram 23.000 famílias que vivem em 1.309 aldeias nos 13 distritos mais pobres do país. Dessas famílias, mais de 6.000 são consideradas extremamente pobres. O programa oferece uma transferência pontual de ativos produtivos e treinamento com o objetivo de relaxar simultaneamente as restrições de crédito e qualificação para criar uma fonte de renda regular para mulheres de baixa renda que estão principalmente envolvidas em trabalho informal irregular e inseguro.

Os beneficiários podem escolher de vários pacotes de ativos, todos avaliados em cerca de 490 USD em PPP e que podem ser utilizados para atividades geradoras de rendimentos. De todas as mulheres elegíveis, 91% escolheram um pacote de ativos contendo uma vaca. A BRAC incentiva os respondentes a reter o ativo por pelo menos dois anos, após esse período eles podem liquidá-lo. Para identificar os beneficiários, o BRAC realiza um exercício participativo de avaliação de riqueza em cada aldeia. Isso produz uma classificação dos domicílios em três classes de riqueza (baixa-renda, classe média e alta-renda) que formam a base de amostragem. O estudo abrange todas as pessoas de baixa renda e 10% das outras classes em cada aldeia. O grupo de famílias de baixa renda foi dividido em elegíveis ao programa (ultrapobres) e não elegíveis (outros pobres), de acordo com os critérios de elegibilidade do BRAC.

Uma pesquisa de base foi realizada antes da intervenção em 2007, três pesquisas de acompanhamento em 2009, 2011, 2014 e os inicialmente ultra pobres foram novamente entrevistados em 2018. Isso permitiu rastrear a dinâmica de ocupação, ativos e bem-estar ao longo do período de 11 anos. O atrito entre 2007 e 2018 é de 14%.

Detalhes da Metodologia

Para avaliar o programa, Balboni et al. (2022) randomizaram sua implantação de forma que 20 áreas, definidas pela região atendida pelo BRAC, pudessem ser tratadas em 2007 e as outras 20 em 2013. Para as três primeiras ondas, o grupo de controle foi de 20 aldeias; permitindo assim, ilustrar a dificuldade em identificar armadilhas de pobreza com dados observacionais, bem como para apoiar a identificação. Os dados das outras classes de riqueza foram usados no modelo estrutural para determinar em quais ocupações os ultrapobres se envolveriam se tivessem uma maior dotação de ativos produtivos.

Os autores usaram a alocação aleatória do programa e estimaram um modelo de diferença em diferenças usando potenciais beneficiários em vilarejos de controle como um contrafactual para beneficiários reais em vilarejos de tratamento. A randomização garante que, na expectativa, esses dois grupos sejam idênticos em todos os aspectos, incluindo determinantes não observáveis da acumulação de capital.

Resultados

Ao analisar os dados obtidos, Balboni et al (2022) identificaram que os resultados apoiam a visão da armadilha da pobreza. Assim, a principal descoberta é que as pessoas permanecem pobres porque não têm oportunidades. Não são suas características intrínsecas que prendem as pessoas na pobreza, mas sim suas circunstâncias.

Nas áreas de tratamento, descobriu-se que a equação de transição é em forma de S com um estado estacionário instável em 2,333 pontos log, ou seja, quando os ativos produtivos valem 9.309 Taka de Bangladesh.

Outro resultado de suma importância é que a trajetória de acumulação de bens para beneficiários que receberam a transferência durante os 4 anos após o tratamento é consistente com a dinâmica da armadilha da pobreza. Entretanto, o mesmo não ocorreu com as famílias que possuíam baixos ativos, pois, mesmo com transferência de recursos não foi suficiente para movê-las acima do estado estacionário instável. Portanto, estas famílias  têm maior probabilidade de regressar à pobreza, enquanto aquelas que conseguem ultrapassar o limiar saem da pobreza.

Também foram acompanhados as residências em tratamento que estavam acima e abaixo do limiar de pobreza por uma um período de 11 anos. Em correspondência com um modelo de armadilha da pobreza, observa-se que os dois grupos se divergem ao longo do tempo. Os autores identificaram que os beneficiários que começam acima do limiar conseguem acumular bens (inclusive terras), passam para ocupações mais produtivas e consequentemente aumentam o seu poder de  consumo.

A divergência é maior quando se leva em consideração o padrão subjacente de acumulação de ativos ao longo do ciclo de vida do beneficiado. Os dados das aldeias de controle mostram um padrão U inverso, em que as famílias acumulam bens até que o beneficiário esteja em seus 40 e poucos anos e após essa idade verificou-se que há desacumulação desses bens. Em consonância com isso, descobriu-se que a diferença acima e abaixo do limite é sobretudo impulsionada por beneficiários com menos de 35 anos no tratamento e, portanto, com menos de 46 anos no final. Logo, os beneficiários mais jovens que estão acima do limite sacrificam o consumo por mais tempo para poderem adquirir ativos a posteriori.

Lições de Política Pública

O estudo realizado por Balboni et al. (2022) sugere medidas que podem ser adotadas para a implementação de políticas eficazes. A primeira medida a ser tomada para resolver o problema global da pobreza em massa é investir em grandes incentivos que possibilitem a mudança ocupacional dos indivíduos, os autores sugerem que  pequenos choques podem elevar o consumo. Entretanto, esses choques não tirarão as pessoas da armadilha da pobreza, pois a  magnitude da transferência necessária para alcançar a mudança ocupacional pode ser muito maior do que o investido nas intervenções analisadas.

Portanto, o custo fiscal de tirar permanentemente as pessoas da pobreza por meio de uma grande transferência por tempo limitado pode ser significativamente menor do que depender de transferências contínuas que aumentam o consumo, mas não têm efeito sobre as ocupações da população de baixa renda.

A segunda medida é que as grandes políticas de impulso podem ter efeitos duradouros. A análise da dinâmica de longo prazo indica que as trajetórias de ativos, ocupação e consumo dos beneficiários acima do limite divergem daquelas dos beneficiários abaixo do limite ao longo do tempo. Esse resultado é importante, pois indica que, ao gerar mudanças ocupacionais, os choques únicos podem ter efeitos permanentes.

A terceira é que as armadilhas da pobreza criam descompassos entre habilidades e empregos. Os autores mostram que a má alocação de mão de obra é comum entre a população rural de baixa renda de Bangladesh e que o valor de eliminar a má alocação é uma ordem de magnitude maior do que o custo de mover todos os beneficiários além do limite. Isso é importante, pois implica que as armadilhas da pobreza estão impedindo as pessoas de fazer pleno uso de suas habilidades e, de fato, é o desperdício em massa das habilidades das pessoas que é a principal tragédia da pobreza em massa.

Em ambientes urbanos, onde há uma maior variedade de ocupações, o uso de grandes investimentos em capital humano para transferir as pessoas do auto-emprego de subsistência para o emprego assalariado pode ser fundamental para escapar da pobreza.

Assim, o estudo aponta para a importância de expandir as oportunidades para a população mais carente, destacando a necessidade de focar em políticas de bem-estar que mudem as atividades de emprego das pessoas de baixa renda. Isso é diferente das políticas tradicionais focadas no consumo que caracterizaram o apoio ao bem-estar tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. É somente expandindo as oportunidades para os pobres que será possível explorar a capacidade produtiva de uma grande parcela da humanidade.

Referências

BALBONI, Clare et al. Why do people stay poor?. The Quarterly Journal of Economics, v. 137, n. 2, p. 785-844, 2022.