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Quais são os possíveis efeitos da crise econômica e das medidas de austeridade sobre a mortalidade infantil no longo prazo?

20 nov 2020

Pesquisador responsável: Silvio da Rosa Paula

Título do artigo: CHILD MORBIDITY AND MORTALITY ASSOCIATED WITH ALTERNATIVE POLICY RESPONSES TO THE ECONOMIC CRISIS IN BRAZIL: A NATIONWIDE MICROSIMULATION STUDY

Autores do artigo: Davide Rasella, Sanjay Basu, Thomas Hone, Romulo Paes-Sousa, Carlos Octávio Ocké-Reis e Christopher Millett

Localização da intervenção: Brasil

Tamanho da amostra:  5.507 municípios

Grande tema: Política Econômica e Governança

Tipo de Intervenção: Avalição do impacto da crise econômica e das medidas de austeridade sobre a mortalidade infantil e hospitalizações
Variável de Interesse principal: Mortalidade de crianças com menos de 5 anos de idade; doenças diarreicas e desnutrição

Método de avaliação: Microssimulação pelo método de amostragem Monte Carlo e regressão multivariada de efeitos fixos

Contexto da Avaliação

 A crise econômica no Brasil, fez o Produto Interno Bruto - PIB, recuar -3,8% em 2015, e -3,6% em 2016. Em outras palavras, a crise afetou negativamente a soma de todos os bens e serviços produzidos no país, levando a uma alta do desemprego, que afetou principalmente a população de baixa renda, aumentando em 2,8% as taxas de pobreza, e 3,4% as taxas de extrema pobreza. Ou seja, a crise levou a um aumento na porção de pessoas com renda mensal inferior a US$ 43 por mês e inferior a US$ 21 por mês.

Em 2016, no ápice da crise econômica, o governo recém-instalado, iniciou uma série de medidas de austeridade fiscal, dentre elas, a mais importante, foi a Emenda Constitucional 95 – EC95, que teve seu início em 2017, abolindo os gastos federais mínimos com proteção social e saúde, previamente estabelecidos na constituição de 1988. Ademais, a EC95, limitou os crescimentos dos gastos federais em proteção social e saúde, à inflação pelos 20 anos seguintes.  

Há poucos estudos empíricos sobre os impactos das crises econômicas e medidas de austeridade fiscal sobre a saúde, principalmente em países de baixa e média renda, com sistemas de proteção social frágeis e altas taxas de pobreza. Nesse contexto, existe pouco entendimento de como as medidas de austeridade fiscal adotadas pelo governo, podem afetar o Desenvolvimento Sustentável (ODS[1]), é nessa perspectiva que reside a importância desse estudo.

Metodologia

O estudo utiliza a técnica de microssimulação em tempo discreto, para prever o impacto dos cenários de crise econômica e a resposta política no Brasil, sobre as taxas de mortalidade de crianças com menos de 5 anos (U5MR) e hospitalização de crianças menores de cinco anos (U5HR) para o período de 2017 a 2030. A microssimulação permite modelar características específicas dos indivíduos e as probabilidades associadas ao acontecimento de um determinado evento. Essas estimativas são baseadas em um conjunto de dados pré existentes, onde são utilizadas a estrutura de correlação original entre as variáveis. Em outras palavras, abstraindo toda complexidade estatística, o que a microssimulação faz, é prever o que aconteceria no futuro, com base no que foi observado anteriormente.

Detalhes da Intervenção

Para a realização desse estudo, foram geradas coortes sintéticas para 5.507 municípios para o período 2010-2030, utilizando como extensão, uma coorte retrospectiva preexistente para o período de 2010-2020, baseado em um estudo[2] publicado anteriormente, onde é avaliado os efeitos do programa bolsa família sobre a mortalidade infantil. Com essas coortes sintéticas foi possível incorporar a estrutura de correlação real entre as variáveis e modelar os parâmetros específicos de cada município, e também, as alterações nas variáveis ao longo do tempo.

 Com base nessas informações, são simulados três cenários. Primeiramente é considerado uma crise econômica mais branda e curta, com um aumento anual menor que 0,55% na taxa de pobreza, com duração de 3 anos, de 2015 a 2017. No segundo cenário é simulado uma crise econômica, considerada média, com um aumento anual na taxa de pobreza maior que 0,80%, por 5 anos, ou seja, de 2015 a 2019. Por fim, no terceiro cenário, é simulado uma crise econômica mais longa, sustentada por 7 anos, de 2015 a 2021, com um aumento anual na taxa de pobreza maior que 0,80%.

Dentro dessa perspectiva, são simuladas mudanças específicas nas taxas de pobreza, variáveis socioeconômicas dos municípios e na cobertura do PBF e do ESF de acordo com cada cenário para os anos 2010-2030. Para as estimações, foram utilizados os modelos de regressão multivariada de efeitos fixos com informações sobre cobertura do PBF e ESF, renda mensal média per capita, taxa de pobreza (porcentagem de indivíduos com renda mensal inferior a US$ 43), taxa de analfabetismo da população com 15 anos de idade, taxa de fertilidade e porcentagem da população que vive em domicílios com saneamento adequado. As informações foram obtidas a partir dos dados do recenseamento demográfico de 2010, e os valores para os anos de 2011 a 2030 foram extrapolados através de fórmulas de decaimento exponencial, utilizando as mudanças específicas do município ao longo do tempo, a partir do conjunto de dados para um período anterior.

Resultados

Os resultados encontrados, indicam que os níveis de mortalidade infantil no Brasil seriam diferentes em um cenário de austeridade fiscal e redução na cobertura dos programas de alívio da pobreza e atenção primária, quando comparado aos níveis existentes em 2017. As previsões mostram, que em um cenário onde os níveis de proteção social são mantidos, a taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos seria 8,6% menor em 2030, do que em um cenário de austeridade fiscal, ou seja, seriam quase 20.000 mortes evitadas no período 2017-2030.

Se os níveis de proteção social forem mantidos, as doenças diarreicas seriam em média 39,3% menores, e a desnutrição seria 35,8% menor em 2030. Além de que, haveria menos 123.000 hospitalizações de crianças menores de 5 anos. Em suma, os resultados indicam que os municípios mais pobres seriam os mais afetados, garantindo que as altas taxas de desigualdades entre os municípios, perdurassem até pelo menos 2030. Por outro lado, se mantidas as taxas de cobertura do PBF e FSE, seria possível reduzir as desigualdades, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS.

Lições de Política Pública

No presente estudo, os autores atentam para os possíveis efeitos de longo prazo da crise econômica e das medidas de austeridade fiscal, sobre as taxas de mortalidade e hospitalização de crianças com menos de 5 anos. É importante frisar, que o estudo antecede a pandemia da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19).

Em suma, o estudo mostra a importância da manutenção das coberturas dos programas sociais face a crise econômica, que agora também é potencializada pela pandemia. A tarefa de tentar reduzir as distorções que antes da crise já era difícil, agora ganha uma nova proporção, de pelo menos tentar evitar que a população de baixa renda, seja ainda mais prejudicada, acentuando as desigualdades, em um país já marcado por uma alta disparidade de renda.

Referências

RASELLA, Davide et al. Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: A nationwide microsimulation study. PLoS medicine, v. 15, n. 5, p. e1002570, 2018.


[1] Ver mais informações em: https://odsbrasil.gov.br/

[2] Ver mais em : Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities. Rasella, et al. 2013.