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Vulnerabilidade é um determinante para o clientelismo?

03 set 2021

Pesquisadora responsável: Eduarda Miller de Figueiredo

Título do artigo: VULNERABILITY AND CLIENTELISM

Autores do artigo: Gustavo J. Bobonis; Paul Gertler; Marco Gonzalez-Navarro; Simeon Nichter;

Localização da intervenção: Região Semiárida – Nordeste do Brasil.

Tamanho da amostra: 1.308 famílias – 615 famílias para o grupo de tratamento e 693 famílias para o grupo de controle.

Setor: Política Econômica e Governança

Tipo de intervenção: Construção de cisternas para a coleta de água das chuvas ou para o armazenamento de água que vem dos caminhões-pipas.

Variável de interesse principal: Pedidos de bens à políticos e índices de vulnerabilidade.

Método de avaliação: Avaliação Experimental (RCT)

Contexto da Avaliação

O Clientelismo é o nome dado para a distribuição de bens ou serviços em troca de apoio político, sendo uma razão muito importante para a qual muitos políticos são eleitos (KICKEN 2011; STOKES ET AL, 2013). A literatura também argumenta que o clientelismo acentua as ineficiências alocativas governamentais, além de prejudicar o funcionamento das instituições democráticas e levar à um baixo fornecimento de bens públicos. Estudos anteriores mostram evidências de que pessoas com baixo nível socioeconômico possuem maior probabilidade de participar do clientelismo. 

A região nordeste do Brasil é conhecida por ser uma zona semiárida que contém mais de 28 milhões de habitantes, sendo eles desproporcionalmente pobres e da área rural. Além disso, é uma região característica por suas secas recorrentes, onde sua precipitação média para o ano de 2012 foi de apenas 57,2 cm em comparação com 153,1 cm do resto do país. Tais secas são reconhecidas em estudos anteriores como uma fonte fundamental da região ser exposta à vulnerabilidade.

O estudo afirma que prefeitos e vereadores do nordeste rural costumam favorecer cidadãos com os quais mantêm relações contínuas de clientelismo, onde os benefícios materiais serão trocados para o apoio político. Desta forma, os autores se propõem a realizar um experimento aleatório para testar a hipótese de que a redução da vulnerabilidade das famílias diminua a solicitação de bens privados à políticos.

Detalhes da Intervenção

A intervenção foi a construção de cisternas nas residências das famílias escolhidas aleatoriamente presentes na região nordeste, objetivando reduzir a situação de vulnerabilidade delas. Assim, o experimento foi aplicado em residências rurais que não possuíam água potável ou cisterna, tinham espaço físico para a construção de cisterna e telhados de chapas ou ladrilhos metálicos para facilitar a coleta da chuva.

As cisternas são conectadas por tubos e calhas ao telhado da casa, proporcionando a coleta da chuva. Elas podem armazenar até 16.000 litros de água, portanto, além de serem uma tecnologia para coletar água servem para armazenar águas fornecidas por caminhões-pipas. Assim, as cisternas irão reduzir a vulnerabilidade das famílias.

Detalhes da Metodologia

Para a criação dos grupos de controle e tratamento, primeiramente foram selecionados aleatoriamente 40 municípios nos nove estados da região semiáridas, onde cada cidade possuía uma média de 49 mil cidadãos. Foram utilizados pesos proporcionais para o número de residências sem acesso a água encanada e cisternas, de acordo com o Cadastro Único.  Após, também de forma aleatória, foram selecionados grupos de famílias rurais vizinhas, onde até seis famílias foram entrevistadas.

Nessas famílias selecionadas foram realizadas três fases de pesquisa presencial. A primeira fase ocorreu no último trimestre de 2011, para coletar dados das características domésticas e individuais pré-intervenção. Imediatamente após as eleições municipais de outubro de 2012 foi realizada a segunda fase, onde foram feitas novas perguntas e repetidas aquelas da primeira fase, possibilitando capturar um possível efeito do tratamento. Por fim, a última coleta de dados ocorreu no último trimestre de 2013 visando capturar efeitos em período não eleitoral.

Dessa amostra, os autores encontram que 21,3% dos entrevistados pediram bens privados para um candidato prefeito ou vereador durante o ano eleitoral de 2012 e, em ano não eleitoral, 8,6% dos entrevistados fizeram esses pedidos. Desses, 7% dos entrevistados tiveram seus pedidos atendidos por candidatos que estavam em exercício. Um dado importante, é que os pedidos são motivados por necessidades vitais, onde um quarto delas envolvia água. 

Os dados da eleição municipal de 2012 foram extraídos do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil (TSE), que divulgam dados agregados das urnas eletrônicas, assim como as localizações geográficas delas.

Figura 2: Frequência de conversas antes da campanha eleitoral de 2012

Como marcador de clientelismo, foi observado se o entrevistado conversou pelo menos mensalmente com um político local antes da campanha eleitoral de 2012, visto que a marca registrada das relações contínuas de trocas. Além dessa, utilizaram um marcador para quando o entrevistado conversou com o político local mensalmente antes da campanha eleitoral e declarou publicamente seu apoio ao candidato. Tais medidas, como pode-se observar no gráfico acima, está equilibrada entre o grupo de tratamento e de controle, demonstrando que será possível observar se há relação entre o clientelismo e a vulnerabilidade.

Assim, foi construída uma amostra com 1.308 famílias, das quais 615 famílias foram selecionadas aleatoriamente para o grupo de tratamento e 693 para o grupo de controle. Os autores observaram os efeitos da intenção de tratar, ou seja, suas análises comparam o grupo de tratamento - que recebeu a intervenção da cisterna - com o grupo de controle.

Resultados

Para as famílias tratadas, foi encontrada uma melhora dos sintomas depressivos, do índice de segurança alimentar e do status de saúde autorreferido. Ainda, o índice geral que padroniza esses últimos três componentes relatados, demonstra que há uma redução substancial da vulnerabilidade. Portanto, os resultados mostram que o programa de cisternas reduziu a vulnerabilidade dos participantes da pesquisa.

A pesquisa também demonstrou que a intervenção acabou por reduzir em 3 pontos percentuais a probabilidade dos cidadãos de realizarem pedidos de bens privados aos políticos. E, quando observado para aqueles cidadãos que estavam em um relacionamento clientelista, há uma redução de 10,9 pontos percentuais nas solicitações.

Da mesma forma, foi encontrado que a redução da vulnerabilidade através do programa das cisternas prejudica o desempenho dos prefeitos em exercício que estão disputando a reeleição, reduzindo significativamente os votos recebidos. Ademais, foi verificado que essas reduções ocorreram tanto para o período eleitoral (2012) como no pós-eleitoral (2013), sugerindo que o efeito é persistente e de longo prazo nas relações entre cidadãos e políticos.

Desta forma, após apresentados tais resultados, restou aos autores concluir que a intervenção das cisternas fornecidas ao grupo de tratamento fez com que reduzisse o número de solicitações de serviços ou bens privados à políticos locais por parte dos cidadãos. Isso ocorreu porque através do programa fora atenuada a vulnerabilidade da população do nordeste semiárido do Brasil.

Lições de Política Pública

À vista do que foi exposto aqui, fica evidente que a vulnerabilidade é um determinante para o clientelismo. Onde, ao melhorar os meios de subsistência dos cidadãos haverá uma redução de participação em trocas de benefícios por apoio político.

Como o clientelismo acentua as ineficiências alocativas governamentais, como argumentado no início, sua atenuação poderá vir a contribuir com uma redução dessas ineficiências alocativas por parte do governo, além de melhorar o funcionamento das instituições democráticas.

Referência

Bobonis, Gustavo J., Paul Gertler, Marco Gonzalez-Navarro, and Simeon Nichter. “Vulnerability and Clientelism.” NBER Working Paper No. 23589, July 2017.